Força da Tática: Os riscos e defeitos do Sporting de Marco Silva

    força da tática
    Novembro de 2014: o mês em que tanto se afirma que o Sporting pratica o melhor futebol de Portugal como que tem o campeonato perdido. Declarações antagónicas mas, mais do que isso, demasiado extremistas – jogar o melhor futebol é relativo porque o jogo se divide em vários momentos que ora o Sporting domina, ora não; ter o campeonato perdido, quando faltam 26 jornadas, também será uma constatação precipitada. Mas que equipa, defeitos e virtudes tem Marco Silva ao seu dispor para provocar tais reacções? Hoje, centrar-me-ei nos defeitos do Sporting. Na próxima semana, falarei das suas qualidades.

    Em comparação com a equipa de Leonardo Jardim, este Sporting é muito mais arrojado. Em todos os momentos, Marco Silva assume ideias mais arriscadas – deverá ser essa a causa dos extremos protagonizados por esta equipa, ora demasiado boa, ora demasiado má. Atacar bem e defender mal não são consequências independentes mas há uma grande margem para conseguir ajustar os erros defensivos sem perder a irreverência e as dinâmicas do momento ofensivo. Simplificando, o Sporting também defende pior porque quer atacar melhor, mas os defeitos dos verde-e-brancos não se esgotam nesta causa-efeito.

    A linha (?!) defensiva e a corda que falta a Marco Silva

    O principal problema do Sporting 2014/2015 tem sido, indiscutivelmente, a linha defensiva que joga à frente de Rui Patrício. Muito se fala – e bem! – da falta de qualidade dos centrais do Sporting, mas aquilo que tem de se começar a analisar é a forma como se comportam os mesmos. Mais do que se erram ou não um passe, um desarme ou uma qualquer outra acção individual onde o treinador pouca ou nenhuma influência tem, os comportamentos colectivos da linha defensiva do Sporting roçam o aleatório e este é o mais urgente dos problemas a solucionar. O constante espaço entre os dois centrais ou entre os centrais e os laterais leva a pensar que este é um momento do jogo que Marco Silva deixa ao improviso dos seus defesas e, se assim for, não há qualquer hipótese do Sporting vir a ter um sucesso consolidado. A defesa zonal é a mais eficiente das formas de defender mas também a mais exigente para o treinador: requer tempo e, sobretudo, repetições atrás de repetições até que tudo fique bem automatizado. Claro que quanto mais fracos são os executantes, mais trabalho terá o treinador. Um método simples de se entender é o da corda: se os quatro defesas imaginarem que existe uma corda a ligá-los, os seus movimentos serão sempre uniformes e o espaço entre eles desaparecerá porque assim que o lateral esquerdo a puxe para a linha lateral, o central do seu lado cobrirá de imediato o espaço deixado vago e esta sucessão repetir-se-à até ao lateral direito que fechará o espaço interior anteriormente ocupado pelo central do seu lado. No fundo, trata-se de um jogo de ajustes e coberturas que ajudariam a solucionar parte dos problemas do Sporting e que reduziriam as hipóteses dos adversários penetrarem pela linha defensiva leonina.

    Repare-se na distância entre Sarr, que sai na contenção a Salvio, e Maurício que não fecha o espaço interior. Outros lances como o 2º golo do Schalke em Alvalade também serviriam de exemplo
    Repare-se na distância entre Sarr, que sai na contenção a Salvio, e Maurício que não fecha o espaço interior. Outros lances como o 2º golo do Schalke em Alvalade também serviriam de exemplo

    O controlo (ou falta dele!) da profundidade

    Este é um sub-problema da linha defensiva do Sporting: importa esclarecer este pormenor para que não se confundam os dois pontos. É que se a linha defensiva leonina é o principal problema da equipa, e é de facto, dentro das suas funções é o controlo da profundidade onde mais sofrem os defesas de Marco Silva. Por controlo da profundidade entendemos o defender o espaço nas costas dos defesas. Aqui é onde entra o risco das ideias do treinador português: Marco Silva quer pressionar alto e, por isso, tem de subir a defesa para evitar espaço entre sectores. Só ainda não consegue defender a distância que coloca entre a sua última linha e a baliza de Patrício. E se os espaços entre centrais e laterais ou entre os próprios centrais são facilmente corrigidos, o controlo da profundidade é provavelmente o aspecto defensivo de maior complexidade. Envolve demasiadas variáveis que obrigam os próprios jogadores, na altura, a entender o contexto que os obriga a comportarem-se de múltiplas formas distintas. Se o adversário com bola estiver pressionado (com uma contenção), a linha defensiva não desce porque o adversário não vai conseguir fazer um passe a procurar a profundidade; se o adversário estiver livre e sem qualquer oposição, os defesas têm de recuar de forma a garantir que têm espaço e tempo de interceptar um passe feito para as suas costas. Mas de nada serve um defesa descer e o outro não: é esta a complexidade – ou se comportam todos de igual forma ou o problema continuará. Se um descer e os outros ficarem, o fora-de-jogo não é accionado e o espaço está gerado. Se descerem três e um ficar, continua a haver um espaço aberto pelo defesa que não agiu em conformidade com os seus colegas.

    Neste momento do jogo, tem valido ao Sporting a principal qualidade de Rui Patrício: o 1×0 em que é exímio. O internacional português é dos melhores guarda-redes do mundo a sair aos pés do adversário e a fazer a mancha. Assim se explica a notoriedade que Patrício tem assumido nesta época. Mas, se pensarmos, Patrício acaba por solucionar muitos dos problemas que também poderia contribuir para evitar. Tivesse o guarda-redes do Sporting a competência para sair da baliza como tem, por exemplo, Neuer, e não seriam muitos os lances de avançados isolados resolvidos à nascença? Claro que Neuer é de outro mundo, mas Patrício poderia e deveria assumir outra preponderância nestes momentos. Repare-se na quantidade de vezes em que o Chelsea, num só jogo, consegue explorar a profundidade da defesa leonina:

    A falta de qualidade dos centrais e… o arriscar pouco

    Depois de tanto falar da coragem de Marco Silva… eis que chega a hora de lhe apontar um pormenor em que poderia arriscar mais. A falta de qualidade individual dos centrais do Sporting é notória e por certo que o treinador português terá noção, tão ou mais clara do que qualquer adepto, dessas mesmas limitações dos seus centrais. Num outro artigo já abordei a importância dos centrais nos modelos de jogo ofensivos e que se querem dominadores, como o do Sporting. Ora, sendo peças tão importantes e estando à vista de todos que os centrais leoninos (Sarr e Maurício) são perfeitamente incapazes de dar as respostas às exigências de Marco Silva, por que não tentar uma adaptação? Falo de Oriol Rosell. O trinco espanhol é um jogador que se destaca pela inteligência, que já vimos tão importante nos centrais, e que lhe alia uma capacidade técnica mais do que suficiente para a posição em questão. Não sendo especialmente forte ou agressivo, também não é fraco nem macio e, mesmo que fosse, os fortes e duros Maurício e Sarr já provaram vezes suficientes que não são esses atributos que definem a valia do central que deve jogar ao lado de Paulo Oliveira. Neste caso, é mais arriscado experimentar Rosell ou insistir em Maurício/Sarr… ?

    Não merecerá Rosell mais oportunidades se comparado com Sarr, na foto, ou Maurício, fora dela? Fonte: Sporting
    Não merecerá Rosell mais oportunidades se comparado com Sarr, na foto, ou Maurício, fora dela?
    Fonte: Facebook Sporting

    O eclipse de William Carvalho

    William Carvalho foi, na época passada, o melhor jogador do Sporting e a solução para (quase) todos os males que o muito rígido modelo de jogo de Leonardo Jardim originou. E é exactamente por aí que se inicia a mudança: ao contrário de Leonardo Jardim, Marco Silva adoptou um modelo extremamente fluído em que cada jogador tem de assumir uma maior zona de acção. E, se de forma geral concordo com a fluidez imposta, em relação ao melhor trinco do campeonato considero que o que lhe tem sido exigido é oposto ao que de melhor pode oferecer. Já dizia Cruyff que quanto mais espaço temos para defender, pior o faremos. É uma lógica simples e inequívoca. O que Marco Silva quer, com a pressão alta e a vontade de recuperar a bola o mais rapidamente possível, exige de William que defenda uma zona muito maior, principalmente se o adversário conseguir ultrapassar a primeira zona de pressão. Quantas vezes viu William a defender em espaços altíssimos? Hoje, o Sporting defende em 4x4x2 com João Mário a juntar-se ao avançado na primeira linha. Mas não foi isso que mudou, André Martins já o fazia com Jardim. O que mudou foi o local do campo em que essa pressão acontece – bem mais acima no terreno, o que leva Adrien e William a defenderem uma zona substancialmente maior e, por isso, a terem mais dificuldades nesse momento. Não se enganem: o Sporting pressiona muitíssimo bem! Já fez muitos golos proporcionados por essa pressão (Benfica, Belenenses, Porto 2x, etc) e muitos outros ficaram por marcar. O problema surge quando a pressão é ultrapassada. Cabe ao treinador entender se vale, ou não, os riscos assumidos.

    Nos aspectos não mencionados em cima o Sporting não é perfeito. Também não lhe é exigido que o seja pura e simplesmente porque ninguém no campeonato português o é. Mas em praticamente todos os outros momentos o Sporting ou é o melhor conjunto do campeonato ou é tão bom quanto o melhor. Por isso se diz que joga o melhor futebol de Portugal: aquilo em que é melhor é aquilo de que as pessoas mais gostamMas aquilo em que é pior é o que faz as equipas serem capazes de ganhar provas de regularidade.

    Foto de capa: Facebook Sporting

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