Um ano de vida

    camisolasberrantes

    Hoje é dia de sinceridade. Adoptemos tal postura humana como resolução para este radioso dia de chuva que brilhantemente se abateu sobre os muitos milhares e milhares que vestem de verde. Para eles, hoje é dia de ressaca. Normal. Já todos passámos pelo mesmo. Faz parte do desporto. Do futebol, principalmente. É saudável. Engraçado e espirituoso. Não só faz parte, como chega a fazer falta. Não faz é falta nenhuma que se transforme esse habitual fado em «sensação de azedume no estômago». Ou em “azia”, se preferirem uma definição mais comum do que aquela dada pela Infopédia. Porquê? A explicação pura e dura vem de seguida.

    No estádio o ambiente era electrizante. O Benfica vinha de uma derrota amarga e injusta contra os gregos do Olympiacos e o Sporting tinha suado, chorado e sangrado para vencer o Marítimo em Alvalade, com o golo da vitória a sair de uma grande penalidade de Adrien Silva, já a menos de quinze minutos do jogo acabar. O Benfica vinha também mais cansado enquanto o Sporting tinha tido uma semana para planear tudo da melhor forma, com o intuito de levar de vencido o eterno rival. Mas num derby tudo isto interessa tanto, como não interessa nada. E portanto, favoritos não os havia – ainda que o Benfica tivesse de assumir o jogo pelo factor casa. Assim o fez. E fê-lo contra um Sporting que acusou nervosismo e imaturidade. Um Sporting que ia mantendo posse de bola, para o desespero dos encarnados que habitavam as bancadas, mas que o fazia porque não sabia melhor, não sabia como entrar, não sabia como atrair o adversário para fora das suas linhas e não sabia como remar contra uma corrente que começava a ganhar muita força. Força a mais. Foi assim o início do jogo, no qual ambas as equipas apresentaram algumas surpresas: os visitantes jogaram com Maurício e André Martins, em detrimento de Eric Dier e Vítor, enquanto os visitados apostaram em “alas à portuguesa”, com André Almeida do lado direito e Sílvio do lado esquerdo, e confirmaram também a titularidade do artilheiro do costume: Cardozo. E foi exactamente esse o homem que construiu a vitória do Benfica e a desgraça do Sporting. Em 45 minutos, três golos. O primeiro surgiu logo aos 11 minutos, quando a estrutura verde se começava a vergar perante o poderio e o chorrilho de ideias do ataque encarnado. André Almeida galga a ala direita e, em combinação com Cardozo, chega muito, muito perto da área adversária quando é travado em falta (fica o amarelo por mostrar a Maurício). Na conversão o paraguaio relembra a receita de Ronaldinho Gaúcho e põe a bola por baixo da barreira e no canto oposto ao de Rui Patrício. Daqui para a frente parecia que ia ser sempre a subir. Aliás, a receita do Benfica para um jogo de sucesso era mesmo conseguir marcar cedo e continuar a mandar no meio-campo ou, pelo menos, a impedir que o Sporting conseguisse fazer alguma coisa com a elevada posse de bola que ia tendo. E, aos 37 minutos, sem que nada o fizesse prever, quando o Benfica ainda continuava bem por cima, Wilson Eduardo arranca um cruzamento fantástico na direita que tem como destino o voo destemido de Capel para o empate. Balde de água fria na Luz e o Sporting a rejubilar com a sorte de, em dois remates (o primeiro também por Wilson Eduardo, a sair muito longe), ter feito um fantástico golo. Mas Cardozo estava malandro e as alas do Benfica funcionavam infindavelmente bem, com um acerto de põe-bola-tira-bola e agora-subo-eu-agora-baixas-tu que adivinhavam-se mais golos…mas nunca dois no espaço de oito minutos. E ambos a saírem do mesmo pé! Mas já diz a música: «tenham cuidado, ele é perigoso». E foi mesmo. 3-1 para o Benfica ao intervalo e ambos os adeptos a tirarem a barriga de misérias.

    Cardozo e o seu primeiro / Fonte: zerozero.pt
    Cardozo e o seu primeiro
    Fonte: zerozero.pt

    Ao começar a segunda parte deu ainda mais Benfica, mas já algo parecia não estar a funcionar da mesma forma. Markovic estava em decréscimo de forma, Matic continuava sem ter espaço para uma melhor exibição – com as intervenções constantes a meio-campo de Enzo e Rúben Amorim – e Cardozo já tinha “picado o ponto”. Ainda assim os primeiros 15 minutos foram da equipa da casa. Até que Leonardo Jardim mostrou porque merece a confiança na reconstrução deste novo Sporting: vai-te embora, Wilson Eduardo – jogo mediano e já tinha dado tudo o que havia para dar – e vamos a jogo, Carrillo. Os Leões até pareciam rugir de outra forma. Nem de propósito: dois minutos depois e golo. O Benfica a deixar reduzir a vantagem num canto em que Maurício se antecipa a Luisão. E o pior ainda veio depois: do lado das águias, Rúben Amorim – presença fulgurante e determinante na segurança do Benfica – lesionou-se e acaba por ser substituído pelo jovem Ivan Cavaleiro; do lado dos leões, menos meio-campo com a saída de André Martins – jogo apagado – e mais ataque com a entrada de Slimani (terá Leonardo Jardim acreditado que o Benfica ainda podia sofrer mais um de bola parada?…). Tudo mudou. O Benfica passava a ter mais velocidade de arranque, mas menos controlo do jogo – auto-anulando-se de forma ingénua – e o Sporting, que só tinha era de ir atrás da vitória, passava a ter uma ala esquerda fresquíssima e um avançado com o poderio físico para importunar Luisão e Garay. E foi mesmo isso que fez, com um remate (ou antes uma perdida incrível?) ao poste de Artur. Antes disso ainda duas oportunidades para a equipa da casa sentenciar a partida, com Markovic a desviar para a barra e Cardozo a não se tornar no “ainda-mais-homem-da-noite” depois de uma defesa enorme de Patrício. Por esta hora já os hospitais se enchiam de cardíacos, eis senão quando…as preces de Jardim são ouvidas e o gigante recém-entrado acaba mesmo por marcar. Outra vez de bola parada. Agora por culpa de Garay, que manchou os 100 jogos de águia ao peito. Meu Deus. O que se passa? Jesus resolveu passar os últimos 20 minutos a dormir – só fazendo entrar André Gomes aos 90 minutos (!) – enquanto Leonardo Jardim ia tornando o Sporting numa equipa destemida e cheia de velocidade. Bastaram duas desatenções e essa mesma equipa, ainda que não apresentasse um esquema de jogo racional e/ou esclarecido, fez dois golos. Resultado? Empate. Prolongamento e desespero.

    Dos últimos 30 minutos, pouco se tira. A não ser a infantilidade de Rui Patrício – que deixa Luisão fazer o golo mais ridículo que vi em toda a minha vida – a bola ao poste de André Almeida, o falhanço que sai da cabeça de Slimani e, se quiserem, a expulsão de Rojo. Apito final.

    Patrício acabou por falhar / Fonte: zerozero.pt
    Patrício acabou por falhar
    Fonte: zerozero.pt

    Concluo que depois de 20/25 minutos electrizantes por parte do Sporting – os últimos da partida – e depois de um empate sacado a ferros, seja difícil engolir este “sapo”. É mesmo. Mas é particularmente difícil de engoli-lo porque o raio do “sapo” leva um qb de justiça com ele. Convenhamos: nenhum sportinguista no universo lutou tanto para o empate da sua equipa…como Jorge Jesus. Se houve casos, mas, e acima de tudo, se alguém fala neles…foi porque Jorge Jesus quis. Se sofremos dois golos de bola parada foi porque a equipa adversária não os sabia fazer de outra forma…e porque somos tolos. Mas até mesmo os tolos têm direito à justiça. E nem sempre – ou nunca – o demérito de um, justifica o mérito de outro. Ainda que Leonardo Jardim tenha tido rasgos brilhantes na sua interpretação do jogo, Jorge Jesus conseguiu – num feito enorme, passo a ironia – só estragar a recta final de um jogo perfeito. Deveria ter ido para o Sporting? Não. Deveria era não ter-me custado um aninho de vida a assistir e aguentar. Só e somente porque não era preciso.

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