O Passado Também Chuta: João Azevedo

    o passado tambem chuta

    Existem pessoas que realizam feitos que ultrapassam o tempo por si só. Algum feito protagonizado pelo grande Azevedo pode muito bem ser contado sem mencionar o autor ou o clube, para que provoque admiração e espanto geral. No entanto, se somarmos a simples frase “aconteceu num dérbi”, agigantamos o feito e, se finalmente dissermos “a sua equipa estava empatada a um golo e acabou por marcar mais dois golos…”, situamos o relato perto das lendas do medievo, que nos encheram de mitos e alguma vez alimentaram as nossas brincadeiras infantis.

    Aconteceu, esta espécie de lenda medieval, no velho Campo Grande. E o dérbi era o clássico Benfica-Sporting. João Azevedo lesionara-se gravemente numa clavícula. O jogo estava empatado. Os terapeutas do Sporting Clube de Portugal vendaram e imobilizaram a clavícula. Corria o minuto 22 da segunda parte; João Azevedo vira-se para os companheiros e diz: “vocês preocupem-se em atacar; da baliza encarrego-me eu…” É escusado dizer que este guarda-redes ímpar realizou o seu trabalho, resolvendo, ainda, jogadas arriscadas. O seu Sporting venceu o Sport Lisboa e Benfica por 3-1. Saiu a ombros e a aclamação do público foi geral. O meu pai contava-me: “defendeu só com uma mão.” Mas não só o meu pai me contava este feito; sendo miúdo de calção curto, no bar que o meu pai tinha na Rua da Palma, durante os anos 60, era comum ouvir esta heroicidade durante as dialéticas entre sportinguistas e benfiquistas. Mas, fora deste contexto, resulta que os pais dos meus amigos também lhes contaram a lenda, e tanto é assim que ainda há bem pouco tempo, conversando numa esplanada da Baixa Pombalina, um amigo mencionou o feito.

    A ombros dos seus companheiros Fonte: centenariosporting.com
    A ombros dos seus companheiros
    Fonte: centenariosporting.com

    João Azevedo era do Barreiro. Esta localidade era um autêntico viveiro. Menciono só dois nomes grandes do futebol português: o próprio Azevedo e o que foi considerado o melhor extremo-direito da Europa, José Augusto. Pelo Barreiro passaram ou de lá vieram grandes futebolistas; a CUF e o Barreirense alimentaram durante muitos anos os clubes grandes. Como esta crónica trata de um grande guarda-redes do Barreiro, e para que fique bem marcado o valor da “outra banda” como escola de grandes, trarei à baila dois guarda-redes do Barreirense: o mítico e desconcertante Carlos Gomes e o Francisco Silva, que era nem mais, nem menos, o suplente do grande Azevedo na Seleção. Hoje, quaisquer destes três guarda-redes fariam a felicidade do selecionador Paulo Bento.

    Dono de todas as vertentes Fonte: sportingvintage.blogspot.com
    Dono de todas as vertentes
    Fonte: sportingvintage.blogspot.com

    Jogou entre 1935-1952; o Sporting dos violinos deve-lhe bastantes vitórias. Despediu-se do futebol, contra a vontade de alguns, com a camisola do querido e charmoso Oriental. Rezam as crónicas e a lenda boca a boca que era ágil, felino, destemido ao atacar os pés dos jogadores, e a pequena área tinha um dono: Azevedo. Ganhou oito campeonatos nacionais, nove campeonatos de Lisboa e quatro Taças de Portugal. Retirado, foi para o seu Barreiro. Comprou um táxi mas era demasiado bom e muitas viagens ficavam por conta do inventário. Emigrou para Londres e ali ganhou segurança. Azevedo não só é um mito, é também o emblema que recorda uma época na qual existiam enormes guarda-redes em Portugal.

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    José Luís Montero
    José Luís Montero
    Poeta de profissão, José simpatiza com o Oriental e com o Sangalhos.                                                                                                                                                 O José não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.