Guardo até hoje na memória um passatempo de infância: na velha casa dos meus avós, colhia pétalas de rosas e mergulhava-as em frascos antigos cheios de água, que deixava a repousar, durante dias, no parapeito de um tanque de pedra. Por essa altura, convencia-me a mim mesmo ter criado um verdadeiro perfume, de fragrâncias suaves e odorosas, que poderia, na prática, ser utilizado por qualquer pessoa. Essa ilusão confundia-se, de facto, com a realidade e era apenas o reflexo da ingenuidade e de uma (poderosa) vontade, próprias e naturais nas crianças. Aquela mistura tornava-se, obviamente, em nada mais do que flores apodrecidas e água suja; jamais seria capaz de desenvolver um perfume – faltavam-me os princípios e, sobretudo, os elementos essenciais.
Ao tornarmo-nos adultos, a brincadeira perde a piada: ninguém gosta de ser borrifado com zurrapa. Para o comum benfiquista – aquele que enche os estádios pelo país –, as derrotas na Supertaça (com Sporting) e no campeonato (com Arouca) foram como o advento da razão ou, simplificando, a perda da idade da inocência. Com a saída de Jorge Jesus – o principal responsável pelos sucessos alcançados nos últimos anos –, seria de esperar que a estrutura (como orgulhosamente lhe chamam) reunisse, de forma célere e efectiva, as condições necessárias para que Rui Vitória entrasse na nova época a ganhar. Porém, os erros acumularam-se desde a casa de partida e foram demasiado óbvios para serem ignorados: a pré-época e a ausência, por esta altura, dos indispensáveis (e já pedidos) reforços – nada disto tem cheiro de flores e de mar; neste Verão, alguém do Benfica tentou fazer perfume de rosas com a minha receita.
O périplo pela América do Norte – um acto de gestão da estrutura –, retirou tempo e espaço ao novo treinador (ainda refém de uma herança de sucesso) para desenvolver a sua ideia de jogo. A pré-época saldou-se negativamente, nas palavras em jeito de balanço do próprio Rui Vitória, não permitindo consolidar processos, nem os dois aspectos essenciais antes do início do futebol a doer: o físico e o anímico. Os mais optimistas podem, por outro lado, alegar que o lucro compensou o sacrifício. Porém, mesmo aceitando a “venda” de um título (a um rival) por 3,5 milhões, dificilmente se compreenderá que essa verba não contribua para a indispensável aquisição de dois/três reforços que aumentem, no imediato, a qualidade individual e colectiva do grupo. Para mais, recorrer à retórica da formação para evitar uma ida ao mercado resultará, apenas, na confirmação da incapacidade financeira e desportiva do Benfica, versão 2015/2016 – com todo o respeito que me merecem Victor Andrade e Renato Sanches e outros talentos do Seixal.
Concluindo: em três jogos, o Benfica perdeu uma Supertaça (moralizando um adversário directo), empatou durante 75 minutos com o Estoril e perdeu com o Arouca (em campo neutro e pela primeira vez na sua história) – factos que não configuram uma causa, mas a consequência daquilo que foi, neste período, a inabilidade e a inércia de quem mais ordena no Benfica. Diante da estratégia escolhida, Rui Vitória – inadaptado na forma e, no fundo, com menos recursos do que o seu antecessor – torna-se vítima do momento actual.
PS: no meu texto anterior, escrevi que Rui Vitória necessitava de começar a falar como treinador de clube grande. As (minhas) razões para a derrota com o Arouca estão supracitadas. No entanto, não compreendo a falta de referências ao anti-jogo do adversário, muito menos a leveza fugidia com que se tratam os erros de arbitragem. Com tanta polidez, no gesto e no discurso, começa a ser fácil errar contra o Benfica. A sua boa formação e educação são, para já, os únicos defeitos que tenho a apontar a Rui Vitória.
Foto de capa: Facebook do Benfica