Pedro Proença, presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, regozijou-se, recentemente, com “os números e a competitividade” do campeonato português, naquilo que foi um balanço da primeira volta de – e passo a citar – “uma das melhores ligas do mundo”.
Compreendo a satisfação do novel dirigente; a prova, no fundo, desenrola-se muito à sua imagem: a arbitragem de Jorge Sousa no Nacional-FC Porto, por exemplo, terá recordado Pedro Proença dos (seus) bons velhos tempos, quando, no final de cada época, o Dragão se vestia de gala para festejar mais um título, na presença de todos os que haviam contribuído para a caminhada triunfal. Logo de seguida, no Boavista-FC Porto, Fábio Veríssimo revelou-se discípulo promissor e dedicado, embora algo desastrado; provavelmente, fruto da inexperiência: ao poupar o cartão vermelho a Iker Casillas (tal como se justificava e quando o marcador indicava vantagem mínima para os azuis-e-brancos), nem Rui Barros pôde evitar utilizar o guarda-redes espanhol no jogo de Guimarães, com as consequências que todos conhecemos, naquilo que foi um mau início de segunda volta.
Enquanto se regozijava com “os números e a competitividade” de “uma das melhores ligas do mundo”, Pedro Proença apelou a que – e passo a citar – “na hora das decisões, os intervenientes mantenham o bom senso”. Compreendo a recomendação: o seu amigo de longa data (de duas décadas), Bruno de Carvalho, presidente do Sporting, tem vindo a protagonizar interessantes episódios onde a ausência de bom senso apenas é suplantada pela carência de respeito, educação e realismo em relação a adversários (os de dentro e os de fora) e acontecimentos.
Pedro Proença saberá das dificuldades por que passa um árbitro pressionado e ameaçado constantemente antes, durante e depois de um jogo de futebol; e nem o abraço “apaziguador” de Jorge Jesus ao árbitro assistente, na recepção ao Tondela, parece capaz de atenuar a questão. O árbitro Luís Ferreira “tremeu” e, naturalmente, como tem sido habitual, cometeu um erro grosseiro, assinalando penálti caseiro e inexistente (decisão, felizmente, revogada, mas que lhe valeu nota negativa), naquilo que foi um mau início de segunda volta.
Ao ouvir Pedro Proença, confesso que fiquei algo magoado. No discurso do ex-árbitro não identifico nenhuma referência directa (ou indirecta) ao clube do seu coração, do qual é sócio e ao qual prestou tantos e tão bons serviços ao longo da sua carreira. O esquecimento impediu apontamentos sobre alguns feitos e factos como, por exemplo, o número e a média de espectadores nos jogos em que participa o Benfica (seja na Luz ou noutro estádio qualquer) ou a prestação na Liga dos Campeões, onde já assegurou a presença entre as dezasseis melhores equipas da Europa, prestigiando, como é da sua essência histórica, o nosso pequeno país. Pedro Proença também não mencionou que, apesar da sua satisfação, persistem situações por corrigir – tal como referi acima – e que têm vindo a condicionar o desenrolar da própria prova. Portanto, para que o campeonato cumpra os critérios mínimos de verdade, torna-se necessário que, a partir deste momento, não se repitam alguns dos casos reais que têm marcado esta época.
Aceito com naturalidade o facto de o Benfica ter de jogar o dobro para ultrapassar os opositores – como se sabe, naquele que é sempre o jogo do ano de cada clube –; no entanto, já será menos normal o que parece ser uma nova regra oficiosa e que obriga os seus jogadores a terem de sofrer falta não uma mas duas ou três vezes dentro da grande área adversária, para que seja legítimo a marcação do respectivo castigo máximo.
Algo que, para ponto de partida, me parece uma subversão do próprio mercado de trabalho, com prejuízo para o empregado: que fará Adrien se, um dia, vier a jogar pelo Benfica? Por sua vez, o ano civil trouxe outra nova medida – daquelas que os dirigentes sérios e coerentes exigem diariamente –, já colocada em prática no recente Estoril-Benfica e que se define facilmente: para ser golo do Benfica, a bola tem de ultrapassar pelo menos duas vezes a linha de baliza. Faz sentido. O campeonato precisa de ser mais competitivo e, afinal de contas, esta ideia até podia ser exportada para uma França ou Escócia, tornando as coisas por lá mais interessantes.
É igualmente fundamental que, nesta segunda volta, termine de vez a impunidade de que gozam certos dirigentes, treinadores e jogadores. No primeiro caso, trata-se de condicionar diariamente a opinião pública, através de um rol de mentiras publicáveis, a que o ingénuo adepto comum dá eco, pressionando as equipas de arbitragem a cada jornada que passa. No segundo, trata-se da confirmação, a cada conferência de imprensa de antevisão ou rescaldo, da falta de ética profissional e respeito pelos colegas de profissão, com recurso a um leque variado de palavras tontas e tortas. No terceiro, o ignorar permanente de agressões a jogadores contrários (e até, como já sucedeu, a treinadores adversários), a bem de uma verdade desportiva, que confunde raça e querer com aquilo que – e digo-o apenas a título de exemplo – o argelino Islam Slimani faz semana após semana. Muitos insinuam hoje a importância que a suspensão de Hulk, jogador do FC Porto, acabou por ter no desfecho de um campeonato. Esquecem-se, todavia, de que a suspensão foi justa e que, perante os factos, apenas pecou por escassa.
Chegados a este momento, os três candidatos ao título estão no topo da tabela classificativa, separados por apenas cinco pontos, fazendo adivinhar uma luta renhida e até ao fim pelo título de campeão nacional. Pedro Proença gostou da primeira volta; feitas as contas, eu também: mesmo com incontáveis erros próprios, no fundo, continuam a ser os alheios que mantêm as coisas equilibradas. Que as regras se cumpram! A todos um bom resto de segunda volta.
Foto de Capa: Facebook Oficial de Pedro Proença