O Benfica é nosso: e isso sempre chegou

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    A afirmação do Benfica como maior clube português – em apoio popular, sucesso desportivo e prestígio internacional (necessariamente por esta ordem) – teve um impulso decisivo em 1907, apenas três anos após a fundação e na sequência de uma grave crise que, na altura, colocou em risco a sobrevivência da própria instituição. A fuga da maioria dos jogadores para o abastado Sporting – capaz de garantir condições de treino e de jogo mais favoráveis – colocou em curso um projecto liderado pela mente e alma de Cosme Damião, um dos 24 fundadores do clube, que incluiu, entre outras coisas, uma activa campanha de angariação de fundos e a absorção do Grupo Sport Benfica (proporcionando um campo para a prática do futebol e o início do seu ecletismo desportivo). São episódios como este – que figuram como factos nos livros de História (sem recurso a prestidigitações intelectuais) – que explicam, de forma simples e directa, a natureza do Sport Lisboa e Benfica.

    A identidade do clube – assente numa dialéctica de oposição entre o povo e a aristocracia – sobrevém das origens dos seus fundadores, ex-alunos da Casa Pia; o Benfica não tinha campo próprio ou dinheiro, somente sobrevivendo pela vontade férrea de um grupo de homens humilde e trabalhador. No Portugal de então, monárquico e de profundos contrastes sociais, a camisola vermelha tornar-se-ia numa escolha óbvia e natural para a (esmagadora) maioria: o número de simpatizantes e sócios aumentou a um ritmo imparável e Cosme Damião e seus pares perceberam no imediato e com espírito de dever cumprido que o clube deixara de lhes pertencer.

    O Benfica jamais perdeu essa base de apoio popular – que carregou o clube para o topo do futebol português e europeu (tornando-o na principal referência associativa e desportiva nacional, reconhecida nos quatro cantos do mundo) –, fiadora dos seus princípios fundadores, da sua consolidação e de um crescimento que, em 1904, podia ser só sonhado. Com o passar dos anos, intervalando períodos de hegemonia total e as grandes conquistas, surgiram outras crises, com características variadas. Porém, a vantagem em relação aos demais, aberta, sobretudo, por uma falange de apoio activa e disponível, manteve o clube numa posição de superioridade inata, confinando os opositores à eterna tarefa de subverter uma ordem fossilizada.

    As respostas a dar para fora têm local e data marcada Fonte: Sport Lisboa e Benfica
    As respostas a dar para fora têm local e data marcada
    Fonte: Sport Lisboa e Benfica

    Actualmente, o Benfica é mais do que um clube: com infra-estruturas de nível mundial; um notável trabalho social e solidário; um espaço essencial para a prática desportiva de crianças e jovens na capital; e, na alta competição, domina praticamente todas as principais modalidades desportivas que existem em Portugal. O benfiquista dos nossos dias tem, por isso, a tarefa muito facilitada: é difícil conter tanto orgulho. Por vezes, podemos não gostar daquele treinador ou jogador; das decisões do presidente; ou do comentador do programa televisivo. No entanto, nenhum sócio ou adepto deve esquecer-se do essencial ou, pior ainda, perder o seu tempo com questiúnculas lunáticas. No Benfica, todos os temas – desde o comportamento dos próprios adeptos às opções de hospitalidade da actual direcção – devem necessariamente ser discutidos, nos momentos e locais apropriados, com seriedade e elevação, fazendo jus à liberdade democrática que sempre caracterizou o clube; haverá, certamente, ainda muitas questões para corrigir e resolver.

    Este texto surge, obviamente, motivado pelo muito que se leu e ouviu nos últimos dias sobre o Benfica, proveniente do exterior. É um daqueles episódios chatos em que, ao invés de gastarmos tempo e energia em fazer mais e melhor, suspendemos temporariamente a reflexão sobre certas questões internas, verdadeiramente importantes – como a do comportamento de alguns benfiquistas em Madrid –, porque alguém quer desviar as atenções da sua própria casa. Por respeito aos princípios fundadores e à nossa herança colectiva – e tal como está estatutariamente previsto – a defesa do Benfica faz-se primeiro. No entanto, as batalhas dos benfiquistas não se travam contra este ou aquele; muito menos resultam num estranho e caricato regozijo pela vitória (?) num debate de tasca. Basta a união e o apoio de todos – dos milhões que mais ninguém tem ou terá –, para o Benfica continuar a crescer sem companhias indesejadas. Está nos livros, desde 1907.

    Foto de Capa: Sport Lisboa e Benfica

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    João Amaral Santos
    João Amaral Santoshttp://www.bolanarede.pt
    O João já nasceu apaixonado por desporto. Depois, veio a escrita – onde encontra o seu lugar feliz. Embora apaixonado por futebol, a natureza tosca dos seus pés cedo o convenceu a jogar ao teclado. Ex-jogador de andebol, é jornalista desde 2002 (de jornal e rádio) e adora (tentar) contar uma boa história envolvendo os verdadeiros protagonistas. Adora viajar, literatura e cinema. E anseia pelo regresso da Académica à 1.ª divisão..                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.