O Leicester é campeão de Inglaterra! O desfecho surpreendente e admirável da (incomparável) Premier League teve o condão de fazer devolver a esperança na esperança e num ápice, um pouco por todo o mundo, um sem número de adeptos do género romântico passou a exigir às respectivas direcções e equipas técnicas algo perto do milagre em gestão desportiva capaz de colocar o clube da terra na rota dos títulos nacionais – como sonhar não paga imposto, deverá ser suficiente, para tal, obter as cerca de 40 milhões de libras para compor orçamentos; ou então, deslocalizar o clube para as misteriosas East Midlands (naquele triângulo feito por Derby, Nottingham e Leicester deve existir algum segredo).
Concordo que, à primeira vista, a tarefa parece difícil de concretizar. No entanto, se observarmos mais atentamente, será possível identificar um atalho na busca pelo “Leicester português”, sem necessidade de recorrer à divisa tailandesa ou a qualquer outro transtorno. No nosso país, para que equipas de meio da tabela tivessem a possibilidade de chegar ao título bastaria terem a oportunidade de encontrar o Benfica em campo todas as semanas, para a habitual jornada do campeonato. Na condição de visitado, ou mesmo como visitante, pouco importaria, pois, como os últimos dois meses puderam comprovar, das fraquezas se fariam forças – sempre a máxima força! – e a vontade e talento emergiriam, pouco importando os contextos físicos ou anímicos imediatamente anteriores. Consigo imaginar perfeitamente: Arnold, o Mahrez de Setúbal; Postiga, o Vardy de Vila do Conde; Josué, o Huth de Guimarães; e muitos mais.
Seria interessantíssimo termos em Portugal uma mão cheia de candidatos ao título. Libertávamos o campeonato da hegemonia dos três “grandes” e, principalmente, pouparíamos o adepto comum de um Benfica campeão, refém de uma qualidade individual e colectiva tão depreciada e que, para já, serve apenas para ter mais pontos, mais golos marcados e menos golos sofridos. Infelizmente, os transtornos do quadro competitivo não o permitem. É necessário jogar todos contra todos e isso é algo que tem criado sérias e inesperadas dificuldades a vários concorrentes – o V. Guimarães, por exemplo, candidato ao título neste imaginário campeonato a dois, não vence desde 29 de Janeiro (mesmo nos poucos jogos em que Sérgio Conceição não foi expulso ou esteve suspenso).
Qualquer equipa deve ambicionar ganhar o jogo – todo e qualquer jogo! O que me parece estranho, neste caso concreto, é a necessidade de um treinador enfatizar – como fez Sérgio Conceição –, na véspera da recepção ao Benfica ou da deslocação à Luz, que a sua equipa “fará tudo para pontuar”. Dá-me sempre a sensação que, em algum momento da época, essa mesma equipa nem sempre fez tudo para pontuar ou, pelo menos, nem sempre considerou tão urgente ou vital obter a pontuação. Parece-me inusitada esta necessidade de se afirmar o óbvio: quando é que uma equipa de futebol profissional, que trabalha diariamente tendo em vista um jogo ao fim-de-semana, não faz tudo para ganhar o jogo? E, já agora, o que se pode entender por “tudo”? – é que, até ao momento, ainda só vi coisas feias.
Num texto recente, escrevi que o Benfica para vencer (o jogo e o campeonato) tem sempre de jogar o dobro do seu adversário. É algo natural e que acontece por a recepção ou a visita ao maior clube português ser (sempre) o ponto alto da época para qualquer equipa. Nas últimas semanas, verifiquei outra coisa, algo que explica perfeitamente aquilo que falta a um putativo “Leicester português”: essa mesma equipa, que tão legitimamente se transcende perante o Benfica, só consegue jogar pela metade na semana seguinte, ou pior ainda, na semana anterior.
Foto de capa: SL Benfica