O número 102.315

    Núcleo Semanal

    O João é o meu melhor amigo desde que me conheço. Jogávamos à bola juntos, fomos colegas de escola, até tivemos a primeira namorada na mesma altura. Crescemos lado a lado como melhores amigos. Acima de tudo, tínhamos uma grande ligação: o amor ao Sporting.

    Sempre fomos grandes leões e partilhávamos tudo! Cromos, posters, bonés, cachecóis e camisolas. Nas nossas peladinhas, ele era o Manuel Fernandes e eu o Vítor Damas, pois sempre preferi ir à baliza. Passávamos horas a imaginar um jogo de futebol, em Alvalade, em que nós próprios éramos os protagonistas que faziam vibrar a multidão leonina nas bancadas.

    A diferença entre nós era só uma: eu sempre fui sócio e ele não. Os pais dele não ligavam ao futebol e nunca lhe deram dinheiro para pagar as quotas. Eu sempre soube que isso o deixava triste, mas nunca o tratei de forma diferente. O João era tão sportinguista quanto eu!

    No domingo à tarde voltámos a estar juntos, como nos velhos tempos. Por circunstâncias da vida, já não nos víamos há mais de dois meses. Encontrámo-nos no café para beber uma imperial e pôr a conversa em dia. Obviamente, depois de saber como estava a sua família e emprego, acabámos a falar do Sporting.

    “- E então, o que achas do novo Presidente, João? Estás a gostar dos primeiros meses?
    – Claro, grande Bruno de Carvalho! Sempre disse que votaria nele!
    – Pois é, mas não podias votar… quando é que te fazes sócio, homem?
    – Oh, tenho lá tempo para isso… Eu até vou aos jogos e já comprei uma gamebox. Porque é que é tão importante ser sócio?”

    Não esperava aquilo. Fez-me a pergunta com um encolher de ombros. Já não se mostrava triste, mas tinha, agora, uma certa indiferença na voz. O meu coração parou, como se caísse até ao estômago. De repente, voltou ao seu lugar e a bater, mas muito mais depressa. Comecei a suar e senti um estranho nó na barriga.
    É verdade que sempre vi nele um sportinguista como eu. Tínhamos a mesma dose de amor e dedicação. Mas naquela altura, com aquela pergunta, percebi que lhe faltava uma parte muito importante de Sportinguismo. O João, o pequenino João que eu sempre conheci, não teve a mesma sorte que eu, mas estava na altura de saber o que eu sei.

    Acabei a minha imperial com três tragos, fiz uma pausa e disse-lhe calmamente:
    – “João… somos todos do Sporting. Se não fores sócio continuarás a ser um enorme Sportinguista aos meus olhos e o meu melhor amigo. Mas ser sócio… ser sócio é fazer parte de uma família. Ser sócio do Sporting é partilhar laços com José de Alvalade e Francisco Stromp. Ser sócio do Sporting é estar associado à bicicleta de Joaquim Agostinho, ao esforço de Carlos Lopes, aos golos do Peyroteo, ao melhor jogador do Mundo, Cristiano Ronaldo.

    Mais do que por todos eles… sou sócio do Sporting por mim próprio. Porque é um orgulho andar com um pedaço do meu clube na carteira. Porque tenho um número, faço parte de algo enorme. Porque sou um entre milhares de pessoas que acreditam no mesmo que eu, que sentem o mesmo que eu e que AMAM o mesmo que eu! Sou sócio do Sporting porque pertenço ao Sporting. E isso não tem custo!”

    Quando acabei de falar, percebi que toda a gente no café estava com os olhos cravados em mim. Tinha a testa a escorrer suor e nem reparei na força que tinha colocado nas minhas palavras. O João estava branco como cal. Não me disse nada durante largos minutos. Depois, levantou-se, e com um forte abraço disse-me “dá cumprimentos à Rafaela e aos miúdos.”

    Achei que tinha ido longe de mais. Pensei que talvez tivesse sido ofensivo e magoado o meu grande amigo, mas não. O João ligou-me há pouco, a chorar. É o número 102.315.

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