O mês em que se perdeu totalmente a vergonha

    sexto violino

    Janeiro de 2016 foi bastante agitado no que toca ao “futebol fora de campo”. A infame entrevista do presidente do Conselho de Arbitragem (CA), Vítor Pereira, onde este ludibria os leitores falando na camisola de Eusébio e omitindo os vouchers (são obviamente estes, e não aquela, o cerne da denúncia de Bruno de Carvalho), é representativa de um cerrar de fileiras contra o Sporting, cada vez mais descarado. A entrevista preparou o terreno para os arquivamentos do caso das prendas (sem sequer se abrir investigação!) e das queixas do Sporting contra agressões de Fejsa, Samaris e Eliseu. Esta última decisão denotou, aliás, uma óbvia e injustificável dualidade de critérios, se pensarmos que foi aberto um inquérito a Slimani por queixa do Benfica. E bem, não é isso que está em questão; não se queira é passar a ideia de que o argelino é um “selvagem”, especialmente quando o Benfica teve recentemente nos seus quadros atletas como Javi Garcia e Maxi Pereira, tendo os Sportinguistas de aturar, durante anos a fio, adeptos encarnados a desculpar o indesculpável e a ouvir dizer que eles eram ambos “jogadores leais”.

    Perante tanta alarvidade e falta de vergonha, tiremos um segundo para reflectir: sim, o líder dos árbitros portugueses disse que a denúncia da oferta de prendas que podem ir para além do limite estipulado é uma estratégia do Sporting para ser campeão. Não admira que os leões (e, agora, até já o Porto) se queixem tanto de Vítor Pereira. Há muito que o ex-árbitro deixou de ter condições para desempenhar as suas funções actuais, sobretudo se a esta entrevista juntarmos a denúncia de Marco Ferreira, árbitro envolvido em duas derrotas do Benfica na última época (Braga e Rio Ave), responsável pelo último penálti assinalado na área das águias e pela última expulsão de um jogador e treinador encarnado – já lá vão 317 dias – e que, como consequência de tanta ousadia, foi despromovido. Além de referir que Vítor Pereira só telefonava, a ele e não só, antes dos jogos dos encarnados, o ex-juiz madeirense referiu, noutra ocasião, que o presidente do CA pediu aos árbitros que ignorassem o “ruído” vindo do banco do Benfica, onde na altura estava Jorge Jesus.

    Ora, actualmente as orientações são outras. Esta semana, Vítor Pereira pediu aos árbitros, em privado, que eles fossem intransigentes com os treinadores. Dias depois, Jesus foi expulso. O que mudou, então? Jesus saiu da Luz para Alvalade, tão simples como isso. Apenas alguém muito ingénuo ou de má fé poderá falar em “coincidências”. Com efeito, em seis anos no Benfica, JJ foi expulso por duas vezes no campeonato; bastaram, contudo, seis meses no Sporting para que igualasse esse registo. Há ainda, aliás, um pormenor curioso: ao fim de 20 jogos, o treinador tem duas expulsões na liga. O plantel inteiro do Benfica – com jogadores tão “leais” como Samaris, Fejsa ou Eliseu – não tem nenhuma.

    vpereira
    Será o director de comunicação do Benfica? Não, é Vítor Pereira, presidente do Conselho de Arbitragem. Há frases tão inacreditáveis quanto preocupantes

    Esmagado por tudo isto (sim, um dos objectivos deste aparato também passa pelo medo e pela intimidação, e admito que estão a consegui-lo), comentei com um amigo, prestes a entrar em Alvalade para o Sporting-Académica, que “as coisas vão apertar”. Ele concordou com a prontidão de quem também anda atento e preocupado. Mal sabíamos nós que, independentemente de já termos visto muita coisa no futebol português, este jogo iria levar-nos ao limite dos nervos… Um penálti não assinalado (Cosme Machado já veria, minutos mais tarde, uma falta de Slimani por empurrão idêntico nas costas…), um golo claramente irregular que o fiscal-de-linha primeiro viu mas que, face à pressão do árbitro, deixou de ver (!), cartões amarelos ao mínimo pisar de risco, a tal expulsão de Jesus, expulsão de Nélson, quase expulsão do médico leonino que só foi travada porque os clubes têm de ter um médico presente…

    No dia seguinte chegou o redentor acto de contrição do amável Cosme. Prescindo desse folclore, usando uma expressão do próprio Jorge Jesus. Tudo o que peço é seriedade. Sim, é verdade que Cosme Machado devia ter assinalado penálti contra o Sporting em Arouca quando havia 0-0. Esse é, até agora, o lance mais flagrante do qual o Sporting saiu beneficiado, mas uma e outra actuação não são comparáveis. A bem do rigor, importa dizer que os adversários se podem queixar do bloqueio de Ricardo Esgaio com o Moreirense no lance do 1-0 (o primeiro golo da Académica neste fim-de-semana também resulta de um bloqueio não sancionado, embora menos ostensivo) e do facto de João Mário não ter sido expulso com o Braga quando havia 1-2 (antes, contudo, Jorge Sousa tinha deixado passar um claro penálti a favor do Sporting, por mão na bola, que poderia dar o empate. Incrivelmente, teria nota negativa apenas por não ter expulsado o jogador leonino…). Porém, a menos que me tenha falhado algum outro lance, é tudo. Parece-me evidente que a lista de queixas do Sporting, desde logo a imensidão de golos ilegais sofridos, é bem mais extensa.

    união de aço
    Os adeptos do Sporting sabem o que é preciso
    Foto: Facebook oficial do Sporting CP

    O que se passou em Alvalade, para além da óbvia tentativa de tirar o Sporting do caminho, foi uma falta de respeito pelos Sportinguistas, em particular pelos que foram ao estádio. Esta é gente que trabalha, que tem preocupações e que, em dia de descanso, vai ao futebol para se divertir e relaxar. Perante tão vergonhosa actuação do árbitro (será que este sobe no ranking? Talvez não porque, ao fim e ao cabo, o Sporting ganhou…) e um enorme sentimento de impotência, é natural que a revolta cresça. Eu próprio saí de Alvalade sem desfrutar da vitória, pelo que consigo entender perfeitamente que os estados de espírito se alterem. As pessoas, já tão fustigadas no dia-a-dia, sentem-se gozadas e humilhadas naquele que deveria ser o último reduto do seu lazer e bem-estar. Não vêem a cabeça do polvo, mas sabem que os seus tentáculos estiveram ali, no relvado de Alvalade, a tentar estrangular letalmente a equipa do Sporting. A missão de Cosme Machado teria sido, aliás, bem-sucedida, não fossem os leões a melhor equipa portuguesa da actualidade. É costume dizer-se, muitas vezes com razão, que os adeptos não se sabem comportar. Mas, no caso do futebol português, e em concreto nesta época, convinha que os responsáveis da Liga e da Federação dessem o exemplo.

    Vários benfiquistas me têm dito que o Sporting está a colher o que semeou, que estes “acontecimentos” são a consequência das atitudes e “pressões” de Bruno de Carvalho. Depois de uma arbitragem tão escandalosa que nem o mais fanático benfiquista consegue escamotear caso queira ser minimamente levado a sério, parece agora ser esta a cartilha oficial. Sei que alguns não acreditam no que dizem e fazem-no apenas para continuar a fingir que o futebol português é muito sério (há uns anos vociferavam contra tudo e esperneavam devido ao Apito Dourado, mas ei-los agora tão inocentes e bem comportadinhos…) e para manterem a teoria de que se aproximaram da liderança apenas por mérito. Contudo, não deixo de ficar perplexo de todas as vezes que me deparo com tais justificações.

    joao gabriel
    Os que “nunca” se queixam dos árbitros…

    Sim, não há dúvida de que o futebol português era uma maravilha antes de o malvado Bruno de Carvalho aqui chegar… Percebo que benfiquistas e portistas preferissem a versão mansa do Sporting, que não queiram dividir por três aquilo que até aqui dividiam por dois e que movam esforços nesse sentido, mas terão de se habituar. Há também um apontamento curioso relativamente aos argumentos benfiquistas: quando estavam a vários pontos de distância, em pânico, enquanto o Sporting ganhava, diziam em desespero que a pressão de Bruno de Carvalho sobre os árbitros estava a surtir efeito; agora, que o Sporting continua a ganhar mas o seu clube conseguiu reduzir distâncias – muitas vezes da forma que se vê – decidiu-se que, por milagre, a “pressão” de Bruno de Carvalho deixou de ajudar o clube de Alvalade, para passar a prejudicá-lo. É tudo ao sabor do vento…

    Sobre a questão de o Sporting ser um alvo das arbitragens por o seu presidente falar demais, julgo que bastará lembrar a entrevista do sinistro João Gabriel no fim do último campeonato ganho pelo Porto, em que ele referiu que “não temos de mudar de treinador, temos é de mudar de árbitros”. Já esta época, após um Benfica-Rio Ave, Luís Filipe Vieira apelidou a arbitragem de “escandalosa” (20 de Dezembro, última jornada de 2015). Não colocou pressão sobre os árbitros? Seguindo a mesma lógica da batata, esperar-se-ia, no jogo seguinte, uma resposta cabal e vingativa por parte do juiz da partida, em prejuízo do Benfica e do seu presidente, como punição por tal atrevimento. Nada disto aconteceu, como é óbvio. Daí para cá, aliás, houve pelo menos um penálti por assinalar em Guimarães quando o resultado estava em 0-0 (2 de Janeiro, primeira jornada de 2016), uma expulsão perdoada a Eliseu e um golo anulado de forma ridícula ao Nacional (10 de Janeiro, seria o 2-1 para os madeirenses – ambos os lances aqui) e, por fim, um penálti não assinalado a favor do Arouca (23 de Janeiro), quando os encarnados apenas venciam por 1-0.

    diferenças
    …E as diferenças de tratamento de Vítor Pereira

    Para lá de tudo isto, o Sporting é o único dos clubes grandes que tem sempre defendido o sorteio dos árbitros, o vídeo-árbitro e a profissionalização de todos os juízes, entre outras propostas. Muitas delas têm aceitação por parte dos árbitros e, ao contrário do que se pretende fazer passar, o Sporting não só não é o clube mais quezilento com os juízes da partida, como é o clube com a atitude mais pedagógica e construtiva nestas matérias. Protestar é fácil; contribuir com propostas de melhoramento e que, ao fim e ao cabo, protegem os árbitros, apenas o Sporting o faz. Goste-se ou não, é esta a verdade. Portanto, o Sporting, ao contrário do Benfica, tem autoridade moral para falar de arbitragens quando se sente lesado, uma vez que se posiciona contra o actual estado das coisas. De igual modo, a conversa do “parem de chorar, eles erram para todos os lados” também não cola, uma vez que o futebol também se joga fora de campo e aí, fruto de duas décadas de definhamento contínuo, o Sporting tem pouca ou nenhuma influência de bastidores. Ora, se os leões não têm, alguém há-de a ter… Não é difícil chegar a esta conclusão elementar, até porque os jogos provam quase semanalmente que assim é.

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    As propostas do Sporting colhem aceitação por parte dos árbitros

    Salvaguardando as devidas distâncias para o verdadeiro significado da palavra, uma vez que isto continua a ser apenas futebol, a verdade é que o Sporting está em guerra. E está em guerra não porque o quis, mas porque o renascimento do clube foi sustentado na vontade de tornar o futebol português mais transparente. Porque deixou de comer e calar, ao contrário daquilo a que todos estavam habituados. Porque passou a questionar, a incomodar, a ir à luta, a reduzir distâncias para os rivais e, finalmente, a ser melhor do que eles. Desse modo, nestes últimos quatro meses de campeonato assistiremos, muito provavelmente, às jogadas mais sujas e desesperadas da serpente que domina o futebol nacional. Um Sporting campeão seria catastrófico para Vítor Pereira e, em particular, para a “estrutura” do Benfica, que se veria vulgarizada pelo “garoto” Bruno de Carvalho, derrotada pelo treinador que dispensou e posta em xeque aos olhos dos seus próprios adeptos. Dificilmente essa serpente permitirá que o Sporting vença o campeonato. Cabe, portanto, aos leões continuarem como têm estado até aqui, sabendo que haverá tolerância zero por parte dos árbitros e que o mínimo erro poderá ser fatal.

                                                                        .

    P.S.: O futebol tem coisas engraçadas. Se Fredy Montero não tivesse marcado à Académica no fim-de-semana, acredito que a maioria do mundo Sportinguista não se importasse com a sua saída. Como marcou, já foi uma tragédia. Curiosidade: na época passada, na qual nem sequer foi titular, Montero jogou menos 905 minutos do que Slimani (todas as competições) e marcou 15 golos, apenas menos 3 do que o argelino. Este ano já tinha sido decisivo com Nacional, Lokomotiv, Braga e Académica. Mas também sentirei falta do seu requinte ímpar com a bola e da sua inteligência a pensar e executar. No total foram 37 golos em dois anos e meio. Nada mau para quem pouco jogava e nem sequer era ponta-de-lança… Não fiquei nada contente com esta venda a meio da época e o ataque do Sporting está, a partir de hoje, mais fraco. Ao jogador desejo-lhe tudo de bom e que em Maio possa regressar para festejar… como dizia Vieira no tempo em que os árbitros eram maus, “se nos deixarem ganhar a liga dentro de campo”. Até sempre, Fredy Montero!

    Foto de capa: Facebook Oficial do Sporting CP

    Os vídeos de lances polémicos foram retirados do excelente blog O Artista do Dia, que aproveito para recomendar aos Sportinguistas que sigam

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    João V. Sousa
    João V. Sousahttp://www.bolanarede.pt
    O João Sousa anseia pelo dia em que os sportinguistas materializem o orgulho que têm no ecletismo do clube numa afluência massiva às modalidades. Porque, segundo ele, elas são uma parte importantíssima da identidade do clube. Deseja ardentemente a construção de um pavilhão e defende a aposta nos futebolistas da casa, enquadrados por 2 ou 3 jogadores de nível internacional que permitam lutar por títulos. Bate-se por um Sporting sério, organizado e vencedor.                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.