Força da Tática: A conquista da convicção

    força da tática

    Escrevi o ano passado, logo após o final do encontro com o Chelsea na final da Liga Europa, que “o melhor treinador nem sempre é o que mais ganha (…) isso dizem aqueles que vêem o desporto como uma ciência exacta, que nunca foi, e que o tratam como a política”. Analogias à parte, era duro o papel daquele que defendia a competência de Jorge Jesus aquando da maior das desilusões, no final da semana das derrotas. O ser humano pede naturalmente um culpado para o que de mal acontece e o futebol é feito de emoção. Cabia a Luís Filipe Vieira reflectir sobre as razões do sucedido e fazer uma retrospectiva do trabalho do seu treinador. Assim que a fez, entendeu: Jesus é quem mais aproxima o Benfica de ganhar. Foi com base nesta convicção que o campeonato de 2013/2014 foi ganho. Mas porquê? Existem três razões principais. Duas contextuais e uma absoluta.

    1) Continuação e conhecimento aprofundado de um modelo de jogo vitorioso 

    Jorge Jesus estava, no final do ano passado, a terminar a sua quarta temporada ao serviço do Benfica. Tinha perdido o seu primeiro jogo no campeonato à 29ª jornada e a final da Liga Europa para os ainda campeões europeus. Ao longo desses quatro anos, o Benfica nem sempre jogou da mesma forma. Jesus é suficientemente inteligente e conhecedor para saber que o melhor esquema, embora com ideias e princípios semelhantes, é aquele que retira o melhor de cada individualidade sem desvirtuar o colectivo. Muito embora tenham existido alterações pontuais na forma de jogar do conjunto encarnado, as ideias fortes – o modelo de jogo, leia-se – do treinador português manteve-se sempre. Era por isso quase impossível que qualquer outro treinador garantisse, a curto prazo, como necessário, o estabelecimento de um modelo de jogo e consequente interiorização do mesmo por parte do plantel de forma suficientemente vincada. Isso é o mais importante.

    2) Conhecimento perfeito das características de cada jogador e capacidade para os adaptar às necessidades da equipa

    O caso mais flagrante para mostrar a importância deste tópico remonta à época de 2012/2013: no início da temporada, já com o mercado português fechado, Jesus viu Witsel – então peça-chave no seu onze – ser vendido ao Zenit e, assim, foi obrigado a inventar um médio-centro que garantisse um rendimento semelhante àquele que o belga tinha acostumado os seus adeptos. Sem alternativas verdadeiramente credíveis, Jesus apostou em Enzo Pérez, que até à altura tinha sido sempre utilizado como extremo, e, mais, sem grande sucesso no clube da Luz. A verdade é que a adaptação decorreu da melhor forma e pouco tempo duraram as saudades do talentoso Axel Witsel. Mas como? Esta é a pergunta cuja resposta indica o sucesso de Jesus: o treinador que agora tem 59 anos sabe avaliar como poucos em Portugal as características de cada um dos jogadores do seu plantel e vislumbrar aquilo que de melhor cada um pode dar ao colectivo. Para além disso, há outra competência importante no que toca a este fenómeno da adaptação. Só se adapta a necessidades diferentes quem é inteligente e quem sabe ouvir. Jesus sabe disso. No futebol ou em qualquer área, só nos conseguimos adaptar a realidades distintas se tivermos a inteligência necessária para entender o que nos é exigido e a humildade para ouvir quem nos orienta. Jesus viu em Enzo as virtudes necessárias e a verdade é que o argentino as tinha. Numa equipa que vende sucessivamente o seu melhor jogador, esta capacidade do treinador para reorganizar e readaptar a sua formação às vontades do mercado internacional é essencial para garantir uma equipa sustentável e equilibrada. Quantos treinadores não se colocariam na sombra da venda de Matic para justificar o seu insucesso? A verdade é que foi na 2ª volta do campeonato, sem Matic, que o Benfica melhor jogou. No vídeo em baixo, a partir do minuto 50:55, Jesus fala sobre este processo das adaptações. Elucidativo.

    3) O mais importante: qualidade enquanto treinador acima dos restantes

    Diga o que se disser, com uma verdadeira análise tanto sectorial como conjunta dos movimentos do Benfica na corrente época, é fácil entender os frutos do trabalho do treinador ao longo do ano. Os resultados às vezes mentem – e por isso não podem ser argumento único, qualquer que seja a tese – mas este nem é o caso. Sendo competente em qualquer momento do jogo, o Benfica é exímio em dois deles: na organização defensiva e na transição ofensiva. Vejamos:

    • A organização defensiva é, ainda assim, aquele que mais destaco. A marcação exclusivamente à zona, como se faz no Benfica, é complexa e requer tanto rotinas muito bem trabalhadas como inteligência por parte dos jogadores para se adaptarem a situações distintas das preparadas ao longo da semana. A cobertura dos espaços sempre tendo a bola como referência principal (primeiro vídeo do artigo), tanto em largura como em profundidade, é um dos segredos desta forma de defender tão bem desenvolvida. A forma como os sectores do Benfica dão muito pouco espaços para jogar entre-linhas é fundamental, principalmente nos jogos grandes (2-0 ao Porto e Sporting). Depois, a agressividade dos seus jogadores (Maxi ainda é titular por alguma razão; Lima e Rodrigo tornaram a equipa melhor também em aspectos defensivos; Fejsa, sem ser espectacular, é muito competente nesta área; Enzo é um dos criativos que melhor vejo defender) é outra das bases necessárias para os números apresentados: nos últimos 15 jogos no campeonato, o Benfica sofreu golos em 2; nos últimos 28 jogos da equipa encarnada, 23 (!!) acabaram com a baliza em branco. Para além disso, não é coincidência que o Benfica não tenha consentido na presente época nem uma reviravolta no marcador. No vídeo que coloquei em cima pode ver-se Jorge Jesus a falar da importância do treinador no processo defensivo a partir do minuto 1:14:45. Pessoalmente, destaco isto: “quando não vires uma equipa a defender bem podes pôr em questão o treinador”. Em baixo, ficam dois vídeos que corroboram as minhas últimas palavras, muito bem acompanhados por alguns apontamentos feitos pelo blog Posse de Bola.

    • A transição ofensiva, por seu turno, é um aspecto usualmente mais reconhecido ao conjunto da Luz como um dos seus pontos fortes. Muito embora haja uma predominância do público geral na preferência pela organização ofensiva, fruto do sucesso e recém encantamento que o Barcelona e Guardiola causaram no mundo do futebol, o Benfica tem mostrado que o jogo mais rápido e vertical nem sempre é sinónimo de menos qualidade. Na verdade, pode ser exactamente o oposto, dependendo dos jogadores que se tem à sua disposição e da forma como são trabalhados. O doseamento perfeito entre o uso da profundidade ofensiva e a capacidade de soltar a bola no momento certo fazem da transição do Benfica a sua arma mais perigosa: ainda ontem, frente a um muito limitado Olhanense, o Benfica só marcou em duas transições rápidas. Contra o Sporting, na pior exibição da época da equipa de Alvalade, aconteceu exactamente o mesmo: duas transições, dois golos (vídeo em baixo). E mesmo com o Porto, o primeiro golo é resultante de uma transição comandada por Markovic e o segundo, embora de bola parada, tem na origem uma transição em superioridade numérica que acaba por gerar o canto (vídeo em baixo). Isto trabalha-se tanto quanto qualquer outro momento do jogo. A quantidade de vezes que o Benfica se encontra em igualdade ou até superioridade numérica durante as suas transições são resultado da aproximação do colectivo ao elemento fundamental do jogo, a bola. Se os jogadores estiverem longe da bola quando o adversário está em posse, nunca vão ser capazes de reagir de forma rápida e eficaz e ser uma mais-valia numa transição rápida. Segue também um terceiro vídeo que demonstra a força da transição ofensiva de Jesus já em 2011, frente ao Guimarães.

    http://youtu.be/ZhcwwNLzbYo
    (Nota: Para ver este vídeo, basta copiar e colar o link, visto que a incorporação foi desactivada)

    São estas as razões principais que me levam a achar que é Jesus quem mais aproxima o Benfica do sucesso. E estas ideias não variam, como para a maioria dos adeptos, de acordo com a bola que vai ao poste ou entra. Se tivesse acontecido o milagre do Benfica este ano voltar a não conseguir ganhar nada, por ser batido nas finais ou por sofrer uma sequência de golos aos 92 minutos, a minha ideia manter-se-ia: o Benfica do próximo ano mais forte seria o Benfica com Jesus. Tem alguns defeitos? Tem. Mas nenhum suficiente para se colocar o seu lugar em risco e nenhum capaz de ter demovido Luís Filipe Vieira das suas convicções, no ano passado, quando a larga maioria pedia a rescisão com o seu treinador. A verdadeira conquista foi essa. A de ontem foi só uma consequência.

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