Jogo Interior #10 – O líder faz-se ou o líder nasce?

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    A partir da compreensão de que só é possível extrair e disponibilizar o potencial de um atleta havendo um relacionamento primeiramente humano e social, antes de profissional, táctico ou estratégico, o líder vive de todos os compromissos emocionais que assume com ele próprio e com os seus liderados. A base da sua liderança configura-se, na minha opinião, através do seu empenho e eficiência em facilitar o desenvolvimento dos seus atletas, de forma que eles sintam que o seu desempenho e evolução é efectivo.

    “Quando o líder efectivo dá o seu trabalho por terminado, as pessoas dizem que tudo aconteceu naturalmente.” Lao Tsé

    Tal como refere Jorge Araújo, “o acto de liderar, na actualidade, implica que a autoridade de quem dirige, mais do que imposta, seja reconhecida. Mais do que um conceito abstracto, pressupõe determinadas atitudes e comportamentos ao serviço de um trabalho de equipa.” Ao líder são exigidas flexibilidade e criatividade que induzam nos seus colaboradores a capacidade de gerirem o inesperado, sempre presente na realidade complexa e turbulenta que nos rodeia.

    A Liderança em si é transversal. Existe no nosso dia-a-dia. No nosso quotidiano, no nosso trabalho, na nossa família. Num contexto colectivo desportivo tem umas características especiais. Uma das características é a competição. Embora a competição também seja transversal em diversas dimensões da nossa vida, a competição desportiva encerra um conjunto de vectores que lhe transfere uma certa especialidade. A competição mexe com emoções, com valores éticos, com moral, com o Ego. Não consigo conceber um líder que não lidere com alma. Um líder que não entregue a sua capacidade de servir e não se coloque plenamente disponível para os seus liderados. Um líder que vai à frente a desbastar as silvas, a desbravar o caminho, é um líder que, através do seu exemplo, desenvolverá novos líderes no seu grupo. A partilha, a dedicação e o altruísmo são algumas características demonstradoras da sua excelência.

    O líder com alma Pensa, Age e Comunica a partir do centro do seu Ser. Comunica de dentro para fora. Percebe, sabe e transmite primeiro o “Porquê” da sua mensagem, seguido do “Como” e por final de “O Quê”, como forma de demonstrar significado e propósito. Esta forma de Pensar, Agir e Comunicar incute compromisso (“engagement”), força (“empowerment”) e motivação (“drive”). “Um líder está orientado para a acção. Só através da acção é que é possível materializar uma visão. Mas a visão e a acção devem ser compatíveis; para que isso aconteça, é necessário competência. Essa competência adquire-se à medida que se vai avançando, estimulando aqueles que nos rodeiam e recrutando-os para a nossa missão.” Este recrutamento tem a sua origem nos tais “engagement”, “empowerment” e “drive”. Esta acção compatível com a visão vem da alma do líder. E a alma do líder floresce do seu próprio autoconhecimento. Um líder que lidera com alma é um especialista do seu próprio Ser.

    A alma do líder é uma força poderosa e uma incontornável mais-valia, principalmente para os liderados. A possibilidade de usar a alma como centro de decisões é inata. Somente o aumentado autoconhecimento do líder lhe permite explorar uma “ferramenta” natural esquecida por muitos, no sentido de auxiliar a satisfação das necessidades dos liderados, nomeadamente os que trabalham em equipa. A presença de espírito do líder permite aos liderados ir aonde poucos foram e alcançar o que poucos alcançaram. Se partilhar desta forma de pensar, agir e comunicar estará muito à frente da maioria dos líderes porque percebeu o poder oculto das ligações emocionais e do valor da consciência expandida.

    O desafio neste momento é tornar as suas acções o mais eficazes possível. Cada vez que nos dirigimos a uma equipa comprovamos o que Italo Magni, um orador premiado, disse em tempos: «Se falarmos com a cabeça, estaremos a falar-lhes à cabeça. Se falarmos com o coração, estaremos a falar-lhes ao coração. Se falarmos com a vida, iremos tocar as vidas deles».

    Diego Simeone Fonte: Facebook de Diego Simeone
    Diego Simeone
    Fonte: Facebook de Diego Simeone

    Do ponto de vista do líder e da sua forma de pensar, agir e comunicar, ele tem uma clara percepção de que liderar com alma é o melhor caminho, e de que é preciso ter liderados que façam parte da organização, grupo ou equipa, não porque querem isso, ou precisem ou gostem disso, mas porque acreditam no que o líder acredita. Obviamente acreditar no mesmo implica gostar disso e ter um sentimento de pertença em relação a isso. Um líder que lidera com alma é decisivo no grupo do qual faz parte porque lhe molda a cultura, lhe confere a visão, solidifica as relações emocionais entre os membros, produz o ambiente desafiador – a ambição que faz membros funcionar nos limites ou até ultrapassá-los.

    É o promotor constante de uma visão galvanizadora, de um projecto que escreve a história de cada um dos elementos do grupo. A vontade de mudar a história, o rumo dos acontecimentos, de forma brutal – de se tornar imortal – é o combustível para a vida de um líder com alma. Esta narrativa parece um pouco romântica e até utópica mas mesmo quando Galileu disse ao mundo que a Terra é que girava à volta do Sol a maioria condenou-o pela radicalidade da sua afirmação pois a resistência à mudança é uma força negativa para a evolução e para o crescimento.

    Neste momento alguns leitores podem pensar: “Mas eu sou apenas um treinador vulgar de uma equipa de miúdos de 12 anos…”. E daí? Qual é o problema? Na minha perspectiva não existe problema nenhum e só nos traz ganhos este tipo de aprendizagem. Porque não aprender com os melhores, perceber o que eles fazem, adaptar a nós e experimentar em nós, parar, observar e reflectir acerca dessas práticas? Ser um líder não é ser Deus. Não é algo inatingível. Algumas características são inatas e alguns já nascem com elas, outros têm de trabalhar e esforçar-se um pouco mais. Outras características são desenvolvidas, a partir do autoconhecimento. Mourinho sabe disso. Guardiola, idem. Phil Jackson sabia disso. Ferguson também.

    É simplesmente impossível alguém se tornar um bom líder sem ser um bom comunicador. E isto não significa ser um bom conversador – é uma grande diferença. A chave para se tornar um comunicador hábil raramente é encontrada naquilo que é ensinado na formação, na escola e mesmo na educação obtida pelos nossos pais. Desde os nossos primeiros dias na sala de aula somos treinados para nos concentrarmos na pronunciação, no vocabulário, na presença, no léxico, na gramática, na sintaxe e afins. Por outras palavras, somos ensinados a concentrarmo-nos em nós mesmos. Sem querer menosprezar todas estas coisas, que são bastante importantes para a nossa aprendizagem, são os elementos mais subtis da comunicação que raramente são ensinados em sala de aula (os elementos que interferem noutros) que os líderes procuram aprender.

    Então em que é que ficamos?

    O verdadeiro líder é aquele que aponta o caminho. Aquele que traz consigo uma confiança brutal que ilumina com um foco potente. É aquele que inspira uma visão partilhada, entendida no seu grupo e comprometida com ele, e que desafia o que está estabelecido constantemente. Ele permite que quem está ao seu redor aja e demonstre as suas ideias, discutindo assertivamente, alinhando-as com os valores e princípios do grupo. O líder desenvolve e incentiva a coragem nos seus liderados.

    Todas estas capacidades são inatas, ou seja, nascem connosco, ou são passíveis de ser aprendidas e desenvolvidas? Acho que são as duas coisas, embora todas as pessoas sejam diferentes e não possam funcionar através de “receitas”. O que é para um pode não ser para outro, e cada um de nós tem o dever de fazer desenvolver a sua liderança para crescer por dentro e fazer crescer os outros à sua volta. Ao líder são requeridas flexibilidade e criatividade que inspirem nos seus colaboradores a habilidade de gerirem o imprevisível, constantemente presente na realidade complexa e buliçosa que nos circunda. E tudo é possível adquirir de uma forma ou de outra, tendo nada à nascença ou tendo muito…

    “O desafio da liderança é ser forte mas não rude; ser bondoso mas não fraco; ser ousado mas não agressivo; ser atencioso mas não preguiçoso; ser humilde mas não tímido; ser orgulhoso mas não arrogante; ter humor mas sem loucura.”, Jim Rohn

    Bibliografia

    “Liderança: Reflexões sobre uma experiência profissional” – Jorge Araújo

    “Como Ser Um Treinador de Excelência” – Alcino Rodrigues

    “A Alma do Líder” – Deepak Chopra

     

    Foto de capa: John Tlumacki

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    Alcino Rodrigues
    Alcino Rodrigueshttp://www.bolanarede.pt
    Já foi jogador mas há uns tempos passou para o outro lado e ajuda os treinadores com as coisas que escreve. Adora desporto e todas as componentes do jogo interior, ou treino mental. O seu foco são os processos e adora estudar as dinâmicas do trabalho em equipa. Coloquem muita malta a trabalhar junta e ele descortina todas as suas nuances. Já teve filhos, plantou árvores e ultimamente lançou um livro. Parece que está safo…                                                                                                                                                 O Alcino não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.