O pé esquerdo do Minho – Entrevista a Amílcar Gomes

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    Perto de completar 28 anos, Amílcar Gomes é um valor seguro do futsal nacional. Ala do SC Braga/AAUM, o seu pé esquerdo tem ajudado a formação do Minho a tornar-se numa das mais respeitadas equipas do futsal português. Depois de passagens pela Fundação Jorge Antunes e Modicus (com quem venceu a 2ª Divisão Nacional de Futsal), depois de se ter sagrado Campeão Nacional e Mundial Universitário e de ser eleito Atleta Masculino do Ano 2012 pela FADU, depois de ter chegado à Selecção Nacional, e com novos projectos (como a sua Escolinha) e desafios pela frente, Amílcar está no Bola na Rede para nos falar sobre uma das modalidades que mais tem evoluído em Portugal.

    Gala da Federação Académica do Desporto Universitário, onde foi distinguido com o prémio de Atleta Masculino do Ano (2012)
    Gala da Federação Académica do Desporto Universitário, onde foi distinguido com o prémio de Atleta Masculino do Ano (2012) 

    Bola na Rede: O SC Braga/AAUM está a fazer um excelente campeonato, ocupando, neste momento, o 3.º lugar. Qual é o vosso objectivo, agora que faltam duas jornadas para terminar a fase regular?

    Amílcar: No início da época, o objectivo traçado era o de repetir a classificação da anterior. No entanto, com o decorrer do campeonato pareceu-nos possível fazer melhor e neste momento queremos terminar a fase regular na terceira posição da tabela.

    BnR: A possibilidade de disputar o play-off está há muito garantida. Partem para ele com que ambição? Até onde é que o SC Braga/AAUM pode sonhar?

    A.: No início da época traçámos o objectivo de superar o que realizámos a época passada. Assim, independentemente da posição em que terminarmos a fase regular, a ambição é chegar à meia-final do play-off. Cumprido este objectivo, logo se verá. Damos sempre o melhor de nós em cada jogo e vai continuar a ser assim até ao último, seja ele quando for.

    BnR: Nas últimas semanas, o SC Braga/AAUM defrontou os dois principais candidatos ao título, Sporting e Benfica. O que falhou para a equipa ter sido derrotada de forma tão clara? Estes dois resultados vieram provar que a equipa ainda está uns furos abaixo de Sporting e Benfica?

    A.: Entrámos mal em ambas as partidas. Pecámos pela falta de controlo emocional, especialmente no início do jogo, onde abordamos alguns lances de forma errada, que nos custaram golos. Sabíamos que quer o Benfica, quer o Sporting entram muito fortes no jogo, tentando sempre resolvê-lo o mais cedo possível. Sabíamos que era importante não sofrer golos nos primeiros minutos de cada parte, mas não fomos capazes de corresponder a isso. Apesar disso, os jogos foram diferentes. Contra o Sporting pecámos na organização defensiva, cometendo erros, que não são habituais quando não temos posse de bola, que eles souberam aproveitar para converter em golos. Já contra o Benfica melhorámos neste capítulo e funcionámos bem melhor como equipa defensivamente, mas não estivemos bem ofensivamente: perdemos muitas bolas em zonas baixas e o Benfica aproveitou todos os nossos erros para marcar golos. Independentemente destes resultados, temos consciência do nosso valor e das diferenças que existem entre nós e eles. É algo repetitivo dizê-lo, mas é a verdade: Benfica e Sporting são os dois únicos clubes da Liga Sport Zone que são profissionais, e, a esta altura do campeonato, as diferenças entre estas equipas e todas as outras são mais notórias, particularmente na preparação dos jogos, visto que as unidades de treino são em número muito superior.

    O seu pé esquerdo ajudou os 'Guerreiros do Minho' a chegarem ao pódio da fase regular esta temporada
    O seu pé esquerdo ajudou os ‘Guerreiros do Minho’ a chegarem ao pódio da fase regular

    BnR: Os dois jogos seguintes, que redundaram em vitórias obtidas de forma clara, diante do SL Olivais e da Académica, foram encarados com que sentimento?

    A.: O sentimento é sempre o mesmo: lutar sempre pela vitória, seja contra quem for. Claro que depois de dois resultados negativos quisemos voltar as vitórias e às boas exibições. Felizmente conseguimos.

    BnR: O SC Braga/AAUM tem tido uma ascensão meteórica (em 2010/2011 estava na 2ª Divisão, pelo meio chegou a finais da Taça e da Supertaça e hoje está no pódio do Campeonato). Qual é o segredo para este crescimento e para resultados tão sólidos?

    A.: Penso que o principal segredo deste crescimento foi a definição de objectivos que se coadunavam com a realidade do clube, mas sempre tendo em vista o crescimento sustentado do projecto SC Braga/AAUM. Esses objectivos, com o comprometimento de todos, tornaram-se a realidade do clube actualmente. A época 2011/2012 foi importante. Tínhamos subido ao principal escalão, e, apesar do arranque menos feliz desse campeonato, conseguimos a manutenção, que foi crucial para a evolução do projecto. Houve um esforço de todas as partes para nos adaptarmos à realidade da primeira divisão e essa mudança de mentalidades foi fundamental para a evolução verificada nas épocas seguintes.

    Em acção pelo SC Braga/AAUM, na sua época de estreia com a camisola arsenalista (2011/2012)
    Em acção pelo SC Braga/AAUM, na sua época de estreia com a camisola arsenalista (2011/2012)

    BnR: Já aqui o disseste: a verdade é que Benfica e Sporting são as únicas duas equipas profissionais no contexto do futsal português. Apesar disso, e até tendo em conta este sustentado crescimento do SC Braga/AAUM, achas que é possível o clube, a médio prazo, lutar de forma sistemática por títulos?

    A.: As equipas profissionais serão sempre as candidatas a vencer as competições. Acredito que projectos como o do SC Braga/AAUM, e outros, têm vindo a acrescentar qualidade e competitividade ao nosso campeonato e a tentar contrariar a supremacia das equipas profissionais. Penso que é benéfico para a modalidade que existam projectos a crescer de forma sustentada e que se caminhe no sentido de multiplicar o número de candidatos aos títulos. Mas é importante voltar a frisar que, independentemente do desempenho na fase regular, à entrada para os play off as equipas profissionais têm o dobro, ou mais, de unidades de treino da maioria das outras equipas, já para não falar no resto das discrepâncias. E isto vai sempre fazer a diferença, quer se goste, quer não. Para uma equipa lutar por títulos de forma sistemática é preciso que se conjuguem uma série de (muitos) factores, de índoles diferentes, e que estes se mantenham de época para época. Este é um desafio grande para qualquer projecto. Esperemos que aconteça, porque todos desejamos que o nosso campeonato se torne mais competitivo, mas é preciso ter noção do que isso acarreta.

    BnR: Actualmente, o SC Braga/AAUM tem uma parceria com a Associação Académica da Universidade do Minho. Em que medida é que essa ligação tem sido proveitosa para o futsal do clube?

    A.: Este clube resulta de uma parceria entre o Sporting Clube de Braga, a Associação Académica da Universidade do Minho e a própria Universidade do Minho, sendo que as três instituições têm um papel fulcral no projecto, pois suportam-no de formas diferentes mas complementares.

    BnR: Explorando um pouco todo esse contexto que envolve o clube, em que é que ele seria diferente se essa parceria não existisse?

    A.: É difícil falar sobre isso, porque é pura especulação. Mas creio que é seguro afirmar que sem a parceria entre as instituições as equipas não beneficiariam da versatilidade de competições (federada e universitária) e das mais-valias que daí advém.

    BnR: Falando sobre a Selecção Nacional, qual é a sensação de jogar com as quinas ao peito? É realmente diferente de envergar a camisola de um clube?

    A.: Sim. Vestir a camisola da Selecção Nacional é uma honra e um orgulho para qualquer atleta. Além de estarmos a representar o nosso país, é também o reconhecimento do nosso trabalho, por integrarmos um grupo restrito de jogadores, e isso também nos dá uma motivação extra para trabalhar ainda mais.

    Equipa que representou Portugal nos Jogos da Lusofonia, e de que Amílcar fez parte (2009)
    Equipa que representou Portugal nos Jogos da Lusofonia, e de que Amílcar fez parte (2009)

    BnR: Foi uma desilusão teres ficado fora dos eleitos para o Europeu de 2014?

    A.: Desilusão não é o termo. Tinha consciência de que era difícil integrar o lote final, mas tinha essa expectativa. Representar Portugal numa fase final de uma grande competição é um objectivo que tenho e que ainda não consegui alcançar. Resta-me continuar a trabalhar para lá chegar.

    BnR: Enquanto vias os jogos do Europeu, sentias que podias lá estar?

    A.: A partir do momento em que a Selecção chegou à Bélgica o importante era apoiar e acreditar no trabalho dos colegas que estavam a representar o nosso país. Assisti aos jogos do Europeu como português e adepto da modalidade, não como atleta.

    BnR: A nossa Selecção, invariavelmente, fica à porta das grandes conquistas. O que achas que continua a faltar e o que nos impede de levantar um importante troféu?

    A.: A Selecção tem evoluído de forma positiva nos últimos anos, mas é verdade que continuamos a falhar em detalhes e que temos que colmatar essas falhas no futuro. No entanto, como tem sido referido, e foi muito debatido aquando do Europeu deste ano, também não nos podemos esquecer que o nível competitivo do nosso campeonato é menor, quando comparado com as grandes potências que têm vencido as grandes provas.

    BnR: A nível de Selecção, segue-se o Mundial de 2016. É um objectivo estar na lista final de convocados para a competição?

    A.: É. Como já referi, tracei para mim mesmo o objectivo de representar Portugal na fase final de uma grande prova, e espero que possa ser em 2016.

    Com a camisola da Selecção, durante os Jogos da Lusofonia (2009)
    Com a camisola da Selecção, durante os Jogos da Lusofonia (2009)

    BnR: Há já algum tempo que se especula sobre uma possível entrada do FC Porto no futsal. A acontecer, o que é que isso significaria para a modalidade?

    A.: Em condições normais, a entrada do FC Porto teria um impacto positivo na modalidade, porque é um clube com tradição no desporto nacional e com uma estrutura que permitiria que houvesse uma terceira equipa profissional na Liga Sport Zone. Isto significaria um aumento do nível competitivo do nosso campeonato, de que todos beneficiariam.

    BnR: A Liga Portuguesa é um dos bons campeonatos de futsal a nível europeu. Apesar disso, gostarias de experimentar outros campeonatos? Quais seriam as tuas preferências?

    A.: Sim. Gostaria de poder jogar num campeonato mais competitivo, em particular em Espanha. A liga espanhola é a que sempre me atraiu mais, até porque, na minha opinião, é a melhor liga do mundo.

    BnR: Normalmente, para ser considerado um desporto olímpico, é necessário que este seja universal, aberto, espectacular e compreensível. Estamos a dois anos das Olimpíadas do Rio de Janeiro e o futsal, mais uma vez, não figurará como uma das modalidades do Programa. Achas que algum dia será possível isso acontecer?

    A.: O futsal é uma modalidade que tem crescido muito um pouco por todo o mundo, de há uns anos a esta parte. Tem cada vez mais praticantes e espectadores que lhe reconhecem a espectacularidade. Se compararmos as últimas edições de Campeonatos do Mundo, por exemplo, percebemos que há uma evolução positiva da modalidade, em termos quantitativos e qualitativos. Acredito que esta evolução irá acentuar-se nos próximos anos e que o futsal acabará por ser inserido no calendário dos Jogos Olímpicos.

    BnR: Estiveste muito ligado ao Desporto Universitário, tendo inclusive ajudado a Selecção Nacional a vencer o Campeonato Mundial Universitário, em 2008, na Eslovénia. Daquilo que conheces, como avalias o estado actual do Desporto Universitário no nosso país? Achas que os clubes deveriam olhar com outra atenção para as competições universitárias, por forma a, aí, encontrarem potenciais atletas?

    A.: As competições nacionais e internacionais universitárias têm cada vez mais jogos e jogos cada vez mais competitivos. A qualidade está a aumentar e é bom para o desporto federado poder contar com atletas universitários, pois estes desenvolvem competências fora da quadra que são essenciais dentro dela. Penso que o SC Braga/AAUM espelha bem as potencialidades do Desporto Universitário. Temos atletas, nos quais eu me incluo, que já foram atletas universitários, outros que vão disputar em breve as fases finais dos CNUs (*), e esta interação constante entre a equipa federada e a equipa universitária tem dado frutos, como se vê pelos resultados em ambos os campos.

    Em Koper, na Eslovénia, onde se sagrou Campeão Mundial Universitário (2008)
    Em Koper, na Eslovénia, onde se sagrou Campeão Mundial Universitário (2008)

    BnR: Recentemente criaste uma escolinha de futsal, em parceria com a AD Leões Cabanenses, de Gondomar, – a Escolinha de Futsal Amílcar 12. Fala-nos um pouco sobre esse projecto.

    A.: O projecto não foi criado por mim. A AD Leões Cabanenses, que é o clube da minha terra, do qual sou sócio, e pelo qual já participei em competições de futsal e de ténis de mesa quando era miúdo, apresentou-me o projecto, no sentido de eu me associar e apoiar, desafio que prontamente aceitei. A Escolinha surgiu com o intuito de proporcionar às crianças a oportunidade, que de outra forma não teriam, de começarem a praticar futsal desde cedo, especialmente agora que a modalidade está em crescendo. Nesta fase do projecto estamos a preparar uma equipa para integrar as competições distritais já no início da próxima época. Estamos a ultimar uns detalhes para fazer a apresentação oficial da Escolinha, que ocorrerá muito brevemente.

    Logo da Escolinha de Futsal 'Amílcar 12'
    Logo da Escolinha de Futsal ‘Amílcar 12’

    BnR: Quais são as vantagens para uma criança de 8 anos em se inscrever numa escolinha como a tua (ou outras que já existam)?

    A.: A inscrição de uma criança numa escolinha traz vantagens ao nível do seu desenvolvimento enquanto pessoa. Quer pela questão da saúde, pois incute-se o hábito da prática de exercício de forma regular, promovendo o reconhecimento da importância de um estilo de vida saudável; quer pelo desenvolvimento de competências interpessoais através do desporto, como o trabalho em equipa, o respeito pelo outro, a sociabilidade, entre outras. No caso da Escolinha da AD Leões Cabanenses, firmámos uma parceria com um Centro de Estudos que se situa a 20m da nossa sede, e, desta forma, proporcionamos aos miúdos todas as condições para o seu desenvolvimento integral enquanto pessoa. Acredito nas mais-valias de um projecto como este, e espero que continuemos a levá-lo a bom porto.

    BnR: Actualmente já será mais comum mas há 15/20 anos não se ouvia uma criança dizer “quando for grande quero ser jogador de futsal”. O que é que pensavas ser quando tinhas 8/10 anos?

    A.: Jogador de futebol. Eu joguei futebol desde cedo, e, até aos 16 anos, era essa a minha ambição.

    BnR: Qual é a tua maior referência ao nível do futsal? E do desporto em geral?

    A.: O Arnaldo e o Pedro Costa foram as minhas primeiras referências quando comecei a jogar futsal. Além deles, o Ricardinho também é uma referência para mim, pelo percurso que trilhou até se tornar o que é hoje em dia. Na minha opinião, é o melhor jogador do mundo. Do desporto em geral há várias referências. Admiro muito o Cristiano Ronaldo, por exemplo.

    BnR: Estás perto de completar 28 anos, pelo que tens ainda mais uns anos pela frente ao mais alto nível. Que sonhos tens por realizar no que ao futsal diz respeito?

    A.: Tenho o sonho de ganhar títulos, quer num clube quer pela Selecção. É por isso que me dedico à modalidade.

    BnR: De qualquer forma, já pensas no teu futuro pós-jogador? Quais são as tuas perspectivas?

    A.: O desporto sempre esteve presente na minha vida, e sempre soube que, de uma forma ou de outra, quero estar ligado a essa área. Foi por isso que decidi fazer toda a minha formação superior nesse âmbito. Neste momento concilio o futsal com a minha actividade profissional. Não sei o que o futuro me reserva, mas adaptar-me-ei da melhor forma, como tenho feito até aqui.

    BnR: Como é o dia-a-dia de um jogador semi-profissional, como é o teu caso?

    A.: Eu acho que cada caso é um caso, e em alguns o desafio para conciliar a actividade profissional com a prática do futsal é grande. Felizmente para mim, consigo articular ambas de forma relativamente simples e sem esforços de maior. Não é a mesma coisa do que se me dedicasse em exclusivo à modalidade, obviamente, porque, por vezes, depois de um dia de trabalho, mesmo que o crer seja muito, o cansaço, e outros factores derivados do trabalho, influenciam o rendimento no treino, que é sempre ao final do dia. Mas tudo se supera, com esforço e dedicação.

    BnR: Para finalizar, onde te vês daqui a 10 anos?

    A.: É difícil imaginar um cenário concreto, mas vejo-me a continuar a praticar desporto, ainda que como hobbie. Profissionalmente espero estar a trabalhar também na área do desporto.

     

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    (*) – Os CNU’s já terminaram.

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