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O RESCALDO
Depois de toda a turbulência e polémica, a bola começou finalmente a rolar! Foi no Arena Corinthians, em pleno São Paulo, e com mais de 60 mil espectadores nas bancadas, que os olhos do Mundo (futebolístico) se voltaram para o Brasil. Na partida inaugural da competição, com a realidade da ‘Copa’ em casa e com o sonho do Hexa no pensamento, Scolari escalou o onze-base da ‘Canarinha’ desde a vitória na Taça das Confederações, no ano passado; do outro lado, uma Croácia com nomes interessantes, e com duas alterações forçadas em relação à equipa apresentada pelo Bola na Rede: não surgiram Pranjic e Mandzukic, foram titulares Vrsaljko e Jelavic.
Como era expectável, o Brasil tomou as rédeas da partida desde cedo. Num 4-2-3-1 perfeitamente declarado, apresentou, no entanto, uma nuance: Óscar surgiu pela direita e Neymar mais pelo centro (com Hulk do lado esquerdo do ataque), ainda que com a possibilidade (e realidade) de constantes trocas entre os três. Para contrariar, a Croácia apresentou-se com um bloco médio-baixo, utilizando, a defender, um 4-4-2 clássico – Kovacic juntou-se a Jelavic na primeira linha defensiva, e no quarteto do meio-campo Perisic e Olic fecharam as alas, com Modric e Rakitic a ocuparem o espaço central.
A equipa comandada por Niko Kovac trazia a lição bem estudada e dificultou imenso o trabalho à turma brasileira, fechando muito bem os corredores laterais, beneficiando ainda da pouca vivacidade e velocidade do Brasil no processo ofensivo. Teve ainda a sorte (e o mérito) de marcar bem cedo, após um lance conduzido por Rakitic, com o cruzamento de Olic, desde a esquerda, a encontrar um infeliz Marcelo que haveria de, involuntariamente, desviar a bola para a sua própria baliza (11’).
De forma natural, a equipa de Scolari, sentindo-se acossada, tentou reagir: Neymar tornou-se, deliberadamente, o comandante da equipa, pegando inúmeras vezes na bola ainda na primeira fase de construção de jogo; Paulinho soltou-se um pouco mais do duplo pivot; e Óscar começou a dar sinais de vida, preferencialmente pelo lado direito do ataque. Estes dois últimos, aliás, criaram as duas maiores oportunidades de perigo do Brasil antes do génio de Neymar começar a dizer ‘presente’ no Mundial que tantos querem que seja o da afirmação do astro do Barcelona – foi ao minuto 29 que o número 10 brasileiro pegou na bola e desferiu um pontapé com o pé esquerdo que, sorrateiramente, foi embater no poste de Pletikosa e resgatou os (já) aflitos e impacientes rostos brasileiros. Com o empate restabelecido, seria suposto que a ‘Canarinha’ tomasse completamente conta do encontro e encostasse às cordas o seu adversário; não foi, porém, isso que sucedeu. Sempre apoiados nos guardiões-sinaleiros da equipa – Rakitic e Modric – os croatas mantiveram a sua estratégia, criando perigo sobretudo pelo lado esquerdo, com Olic em plano de evidência (mas também Perisic a aparecer a espaços), tentando servir um Jelavic muitas vezes mal posicionado.
Depois do descanso, o reatar do jogo foi mais morno e, por isso, menos interessante. Sempre com uma percentagem de bola superior, o Brasil nunca se impôs nem tomou conta do jogo como seria expectável, mantendo dificuldades em lidar e penetrar num bloco defensivo coeso dos croatas – as excepções eram, aqui e ali, arrancadas de Óscar ou Neymar. A Cróacia, por sua vez, nos poucos momentos em que conseguia trocar a bola com algum à-vontade em plena organização ofensiva (e não em rápida transição como sucedeu maioritariamente nos primeiros 45’) não levava homens suficientes para assaltar a baliza de Júlio César, por certo com receio de abrir brechas atrás, permitindo ao Brasil explorar aquela que é verdadeiramente a sua maior arma: as rápidas transições verticais (em que Hulk se torna um jogador muito mais preponderante do que foi hoje).
Perante este cenário, o jogo foi arrastando-se com a ‘cumplicidade’ da janela de substituições que se abriu depois dos 60 minutos: Kovac trocou Kovacic por Brozovic, enquanto Scolari lançou Hernanes e Bernard nos lugares de Paulinho e Hulk, respectivamente. Contudo, os protagonistas do lance capital do jogo já estavam em campo desde o apito inicial … Na verdade, foi à passagem do minuto 70 que a partida se desequilibrou: na grande área croata, recebendo a bola de costas para a baliza, Fred, sentindo o ligeiro contacto de Lovren, deixou-se cair, num movimento que, aos portugueses, fez lembrar as comemorações do último 10 de Junho. Lá como cá, alguém haveria de acudir ao desafortunado, e, neste caso, o árbitro Nishimura não teve pudor em assinalar grande penalidade. Assumindo o momento, Neymar selou a cambalhota no marcador e deixou o Brasil à porta da primeira vitória do ‘seu’ Mundial.
Mesmo adiantando-se no campo, a Croácia não teve, desde logo, uma verdadeira reacção. Kovac fez sair um lutador mas inconsequente Jelavic e deu ao jogo Rebic, fazendo Olic derivar para o meio. Também entretanto Scolari procurou fortalecer o meio-campo, fazendo entrar Ramires para o lugar de um Neymar merecidamente ovacionado. Mas mesmo na festa, o Brasil ainda sofreu: Júlio César foi determinante a parar remates de Modric e Perisic no momento em que a selecção croata, dando o tudo por tudo, ‘esticou a manta’ e desguarneceu a defesa. Era exactamente o que o Brasil e Óscar procuravam para dar a estocada final, algo que sucedeu mesmo em cima do minuto 90, num contra-ataque em que o médio do Chelsea, de forma pouco ortodoxa, num remate de ‘bico’, assinou o terceiro golo da ‘Canarinha’.
Tudo somado, a vitória assenta bem à equipa de Scolari, não deixando de ser verdade que se esperava mais deste Brasil. Revelou-se um conjunto organizado mas pouco criativo e inventivo no momento de derrubar a organização croata, beneficiando ainda de uma grande penalidade no mínimo duvidosa que em muito ajudou a definir o jogo; por outro lado, a Croácia, mesmo sem Mandzukic, revelou bons pormenores, tendo muita qualidade ao nível da primeira fase de construção de jogo à qual se aliou a capacidade e inteligência de explorar os espaços que o Brasil foi dando na sua defesa (principalmente na primeira parte). O Brasil sai na frente de um grupo que conta ainda com México e Camarões mas em que a Croácia, provavelmente, se revelará como a segunda equipa mais capaz.
A Figura:
Neymar – Muito do que este Brasil for capaz de fazer no Mundial vai depender do ex-Santos. No jogo de hoje, Neymar soube ser o intérprete que pega na bola quando percebe que as coisas colectivamente não estão a sair: marcou dois golos mas, mais do que isso, veio buscar jogo atrás, caiu nas laterais e foi sempre dele que saíram os lances mais perigosos, mesmo quando os espaços aparentemente não existiam.
O Fora-de-jogo:
Daniel Alves – Podia ser Hulk, Fred ou Kovacic. Porém, nenhum deles comprometeu tanto quanto o lateral brasileiro. Porque, de facto, antes de ser defesa, Daniel Alves é um verdadeiro lateral e o Brasil pagou por isso hoje: o jogador do Barcelona deu sempre imensos espaços no seu corredor (no golo croata, estava a pressionar o … guarda-redes contrário) e nunca soube lidar com a velocidade de Olic.