Pinceladas da Copa: oitavos-de-final

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    Brasil 1-1 Chile
    (3-2 após grandes penalidades)

    O ‘Maracanazo’ esteve a uma trave de ter um remake agora em Belo Horizonte. Enquanto o Brasil encravava e soluçava perante a estratégia arquitectada na careca de Sampaoli, a fortuna fez as vezes de Neymar e foi resolvendo os problemas ao ‘escrete’ – com um autogolo, esbarrando a bomba de Pinilla no último suspiro do prolongamento e salvando os corações brasileiros no penalty de Mena. A ‘Canarinha’ continua a mostrar mais qualidade individual do que colectiva e muitos mais passos de samba desarranjado do que futebol de candidato. Com outra clarividência (e Arturo Vidal) mas sempre nas asas de Alexis, o Chile poderia ter sido tão feliz quanto o seu futebol, pensado pelo discípulo de Bielsa, é rápido e louco – e fez por merecê-lo. A Nossa Senhora do Caravaggio escreveu mais uma página na íntima relação que mantém com Scolari mas, com este Brasil, a estrelinha dificilmente estará sempre do seu lado – e aí, ou surge futebol ou a sexta estrela no uniforme mais titulado do Mundo não passará de uma miragem em 2014.

    Colômbia 2-0 Uruguai

    Só pode ter sido capricho! Haveria o palco brasileiro de cruzar as duas formas mais bonitas de futebol da América do Sul dos últimos anos. E de servir de testemunho. Aquele ‘Uru’ que surpreendeu em 2010 e que apaixonou em 2011, na Copa América, vencendo-a, levado pela mão do gentleman Tabaréz e exponenciado pela magia de Forlán, pela feroz capacidade goleadora de Suarez, pelo improviso de Cavani e por uns quantos ‘pitbull’ atrás deste trio, caiu, rendido à nova coqueluche cafetera. Esta Colômbia é o projecto de futebol mais apaixonante da Copa e tem em James a estrela suprema, anjo com pés de veludo, impondo a si mesmo a herança de Falcão e o papel de guia de sonhos de uma nação inteira. No banco, o avô Mondragón beija Pekerman a cada momento de maior magia, a cada etapa de um percurso que tem laivos de um romance improvável – a Colômbia pode mesmo sonhar ser campeã do Mundo, mas já se habilitou a ser a campeã do mais importante título: a da nossa memória. Enquanto isso, foi um poema de golo e alegria, foi James em mais um dia.

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    Cavani e Forlán foram impotentes perante a força colombiana
    Fonte: Getty images

    Holanda 2-1 México

    A coerência poderá ser uma questão de contexto. Van Gaal passou toda uma carreira a pregar uma ideia de futebol, ensinando e enriquecendo os seus aprendizes, e agora, chegado ao maior palco, alterou tudo aquilo em que acreditava. A página inicial do bloco de notas que religiosamente o acompanha estará, por certo, a esta hora, ainda confusa por perceber que de si consta uma Laranja que dá hoje ao jogo um sumo com paladar bem diferente – (provavelmente) por não ter Strootman para a ‘Copa’, Louis, com grande astúcia, montou uma equipa em 5-3-2 que vive para dar bola aos dois motores da frente, Robben e Van Persie. Diante do México, porém, Van Gaal foi ao baú buscar as raízes do seu 4-3-3 e foi isso que lhe permitiu seguir em frente. Porque, mais do que coerência, é bom ter memória. Do outro lado, o verdadeiramente espectacular Miguel Herrera vai deixar saudades – liderado pelo seu guia espiritual, Rafa Marquez, este México deixou litros e litros de perfume de qualidade de jogo, mas, no momento decisivo, nem as dúzias de mãos que Ochoa tem lhe valeu. Porque a Herrera ainda falta, pelo menos, uma coisa: saber ser Van Gaal.

    Costa Rica 1-1 Grécia
    (5-3 após grandes penalidades)

    A ironia do futebol nascerá sempre dos resultados. No encontro entre as duas maiores surpresas presentes nos Oitavos, nunca tal premissa esteve tão marcadamente presente. O Mundial até pode ser dos guarda-redes, mas há um nome que figurará a letras grandes e gordas: Keylor Navas. Mesmo que esta Costa Rica – e, sobretudo, Bryan Ruiz e Joel Campbell – nos faça sorrir, é o seu super keeper que nos deixa com um brilho nos olhos. A destreza, agilidade e qualidade de posicionamento faz todas as suas defesas parecerem irrisoriamente fáceis. Mesmo que argumentemos, interiormente, que não pode ser assim tão difícil – afinal, do outro lado está só a Grécia. Continuamos a olhar para estes gregos com o desdém que talvez eles mereçam e o desfecho do jogo, per si, amenizou os espíritos de quem se sentiu minimamente vingado – por uma vez, e na frieza da ironia, a Grécia perdeu da mesma forma como sempre ganhou.

    Soccer: World Cup-Italy vs Costa Rica
    Keylor Navas. Uma das figuras do Mundial’2014
    Fonte: fansided.com

    França 2-0 Nigéria

    Desconheço as odds que apontavam para a vitória da França na Copa quando a selecção montada por Deschamps desembarcou no Brasil. Ao contrário de outros tempos, faltava a figura de proa (Ribery) e o malabarista (Nasri). Mas, na ignorância, haveríamos de encontrar nos ‘Bleus’ doses desmesuradas de fiabilidade na defesa, de intensidade no meio-campo e de versatilidade no último terço – e, com e por isso, uma das mais poderosas equipas. Diante da Nigéria, tiveram ainda a inteligência de especular com o jogo e de alimentar o que sempre atraiçoa as equipas africanas: as expectativas. Enyama foi o maior paradigma dos conjuntos que chegam da África (subsariana, sobretudo): brilham, encantam, conquistam-nos com a ingenuidade e velocidade do seu jogo e, quando já estamos enleados pelo seu futebol, atraiçoam-nos, desatando, qual jogador de ténis sub-100 em Roland Garros, a cometer erros não forçados. E, por isso, invariavelmente, perdem.

    Alemanha 2-1 Argélia
    (após prolongamento)

    Por mais farta e aprazível que seja uma refeição, nunca é sensato dispensar uma sobremesa, ainda para mais quando ela tem todo o aspecto de prometer um conteúdo muito mais extraordinário do que a forma. O Alemanha-Argélia foi isto mesmo: o 0-0 no final dos 90 minutos não reflectia o jogo tão bem jogado e disputado quanto emocionante que foi e, por isso, o prolongamento era um guloso desejo de quem desejava um golo que fosse para ficar saciado por completo. A sobremesa era, no entanto, muito melhor do que aquilo que fora apresentado: Mbolhi voltou a ser humano e sofreu dois golos; a Argélia, no último assomo da crença com que o seu jogo sempre foi pautado ao longo do Mundial, marcou e transformou cãibras em esperança durante 30 segundos. Por certo que nem Low esperava sofrer tanto, nem Halilhodzic almejava fazer do conjunto argelino uma equipa no sentido mais puro e verdadeiro da palavra. Sem IVA e com poesia, o amante guloso agradece(u).

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    Diante da Alemanha, Mbolhi defendeu (quase) tudo
    Fonte: noticias.bol.uol.com.br

    Argentina 1-0 Suíça
    (após prolongamento)

    Falar desta Argentina é debruçarmo-nos sobre a melhor matéria-prima nas mãos do pior artista. A albiceleste continua a ser uma equipa-montanha cujo ponto mais alto é o meio-campo, onde tudo se divide e separa: de um lado da colina os que só defendem; do outro lado, os que só atacam, vendo em Messi uma outra forma de ser Maradona. E em Dí Maria, Sísifo. No desenlace da gloriosa carreira de Hitzfeld, a esperança suíça vivia na ponta da chuteira de Shakiri e no espírito guerreiro de Rodriguez (talvez o melhor defesa esquerdo da Copa), atraiçoada, sobretudo, quando, embriagada pelos ‘olés’ que conseguiu despertar no público, se esqueceu da baliza de Romero. A Suíça teve oportunidade de ser feliz – não o foi, primeiro por incompetência, depois porque Scolari deixou que Sabella adoptasse Caravaggio por uma fracção de segundo. Como uma verdadeira pintura, o grande plano televisivo de Lavezzi a benzer-se resume tudo: era preciso Deus. E esse continua a jogar com o ‘10’ da Argentina, ao lado do feliz, por uma vez, Sísifo – e só estes dois alimentam o direito de esta ‘equipa’ se achar candidata.

    Bélgica 2-1 EUA
    (após prolongamento)

    Honrando os seus maiores antepassados, os belgas entraram no jogo como uns verdadeiros Diabos Vermelhos. E foram batendo… Origi, Hazard, Mertens, De Bruyne, até Vertonghen, todos eles, fazendo muitos, pareciam sempre poucos para o que se estava a construir. Para os EUA, a baliza-alvo estava ainda muito longe: bem por detrás dos três metros de estilo capilar de Witsel ou Fellaini. Enquanto a Bélgica ia batendo, os novos heróis de Obama, pelo cérebro Bradley e pelas locomotivas Beasley e Yetlin, começavam a desbravar caminho (e cabelo) e a ver Cortouis, ainda que lá longe. A certa altura, com tanto ataque e contra-ataque, afigurou-se-nos como sendo um jogo da Copa de Futsal. E a Bélgica ia batendo e ia batendo e ia batendo. E Howard estava sempre lá! Desafiando o recorde de defesas num único jogo e, mais do que isso, a impossibilidade da omnipresença; só um monstro para o derrubar. Lukaku aceitou o repto e tratou de humanizar o colega do Everton e keeper americano. De repente, voltaram a saborear o sucesso dos anos 80 e a euforia descontraída tomou conta de cada uma das chuteiras dos comandados de Wilmots – a inesgotável alma dos EUA, porém, ainda acreditava e revigorou-se com o pequeno Green. Foi ele quem materializou o enorme espírito norte-americano em golo, dando (mais) justiça e justeza ao resultado. O resultado de um show – na verdade, de um (s)Howard.

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    Filipe Coelho
    Filipe Coelho
    Ao ritmo do Penta e enquanto via Jardel subir entre os centrais, o Filipe desenvolvia o gosto pela escrita. Apaixonou-se pelo Porto e ainda mais pelo jogo. Quando os três se juntam é artigo pela certa.                                                                                                                                                 O Filipe não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.