Foi um dos momentos que marcou o ano do Atletismo. A 5 de Agosto deste ano, o mundo parou para assistir à última prova individual de Usain Bolt. Era a final dos 100 metros nos Mundiais de Londres, o estádio olímpico totalmente lotado e muitos mais milhões de fãs com os olhos colados ao ecrã torcendo por uma – apenas uma mais – vitória do jamaicano para fechar a sua carreira com chave de ouro. Dez segundos depois, o silêncio total. O estádio aguardava os resultados finais, mas parecia que não tinha chegado para Bolt ser o campeão e que teria perdido para Coleman. E perdeu. Mas também perdeu para Justin Gatlin. Na pista nove, poucos tomaram atenção ao percurso do veterano norte-americano, focando a atenção no duelo lado a lado entre Bolt e Coleman. Gatlin foi o único que percebeu desde logo que havia sido o vencedor. E foi, campeão mundial, 12 anos depois da primeira vez (em Helsinquia) – a maior distância temporal de sempre entre dois Ouros para o mesmo atleta na velocidade. Campeão mundial na última prova de Usain Bolt e quando era visto como o patinho feio por quase todo o mundo.
O momento em que Justin Gatlin olha para a câmara e com o dedo manda calar todos os seus críticos ficará para a história. Foi uma verdadeira chapada sem mão. O homem e atleta é odiado pela grande maioria do público. É um facto. Mas há razão para tal?
Para perceber o ódio ao norte-americano teremos que ir ao início da sua carreira. Em 2001, quando ainda nem partes dos rankings profissionais fazia parte, Justin Gatlin enfrentou a primeira suspensão por doping. O atleta tinha então 19 anos e foi apanhado nos testes anti-doping pelo uso de anfetaminas que afectam o sistema nervoso. O medicamento utilizado pelo atleta veio a provar-se ser algo que utilizava desde criança, uma vez que é comummente utilizado para o tratamento de ADHD (Transtorno de Défice de Atenção e Hiperatividade em português). A sua pena acabou por não ser cumprida na totalidade e a IAAF levantou o seu castigo.
O atleta regressou à competição no final de 2002 e em 2004, nos Jogos Olímpicos de Atenas, viria a tornar-se campeão olímpico com um tempo de 9.85s na frente de Francis Obikwelu (Prata) e Maurice Greene (Bronze), conquistando ainda o Bronze nos 200 metros. Em 2005, correu em 9.88s para levar para casa o Ouro nos Mundiais de Helsínquia na frente de Kim Collins, nuns Mundiais onde também venceu o Ouro nos 200 metros, tornando-se o segundo atleta da história a vencer as duas distâncias em Mundiais (depois de Greene). Um ano mais tarde viria a correr em 9.77, igualando o recorde mundial de então de Asafa Powel. Mas este tempo não consta mais do seu registo individual. Porquê? Porque foi na mesma altura em que o verdadeiro escândalo de doping da sua carreira rebentou. Acusou o uso ilegal de testosterona num controlo anti-doping numa prova de estafetas em casa, no Kansas!
O atleta de Brooklyn acabou por aceitar a condenação de oito anos de suspensão, devido às circunstâncias especiais da primeira acusação e em troca de colaboração com as autoridades no que se viria a revelar uma esquema organizado de doping, controlado pelo seu treinador de então, o ex-atleta jamaicano Trevor Graham. Caso não aceitasse colaborar, seria banido para sempre do Atletismo, por esta ser considerada a segunda infração de doping. O castigo viria a ser reduzido para quatro anos e em 2010 regressou às pistas. Após este regresso e depois de um demorado (e normal) regresso à melhor forma, tornou-se um dos maiores rivais do astro Usain Bolt, conquistando três Pratas em Mundiais (Moscovo e Pequim – aqui nos 100 e 200), uma Prata e um Bronze em Jogos Olímpicos (Prata no Rio e Bronze em Londres).