Ténis masculino: chato ou melhor que nunca? Façamos um ponto de situação

    Cabeçalho modalidadesO novo ano começou como os anos de 2004, 2006, 2007, 2010 e 2017 – com o sorriso aberto de Roger Federer perante dezenas de jornalistas enquanto segura o troféu Norman Brookes, em plena Rod Laver Arena, em Melbourne Park. O maestro suíço mostrou mais uma vez que é (muito) superior à concorrência que, independentemente da idade, do momento de forma ou de qualquer outro fator que pudesse abonar a seu favor, cai encontro após encontro frente ao maestro que já vai a caminho dos 37 anos de idade.

    Até mesmo a única pessoa no mundo que se pode gabar de ter mais vitórias frente ao campeoníssimo suíço do que derrotas – Rafael Nadal, de 31 anos – tem vindo, ano após ano, duelo após duelo, a perder a magia que demonstrava frente ao helvético, e que o fez erguer o troféu de Wimbledon em 2008 ou o título na Austrália em 2009. Mas nem por isso o maiorquino deve ser alvo de críticas. Na realidade, Federer e a sua equipa técnica é que merecem (ainda mais) elogios devido à forma genial que descobriram, após aproximadamente 32 encontros disputados entre ambos, que permite ao suíço anular a potência e o topspin colocados em cada golpe de Rafa. É, por isso, preciso recuarmos até à meia-final do Australian Open de 2014 para encontrarmos a última vez que o espanhol derrotou o então 6º classificado no ranking Roger Federer. Desde então, o veterano helvético conta por vitórias todos os 5 duelos que foram disputados desde essa data.

    Façamos rapidamente uma afirmação para melhor se entender o que vai ler daqui em diante: o que Roger Federer fez e faz não é natural. O suíço não é um bom exemplo. Com a sua idade ou mais velho, apenas Ken Rosewall (em 1972, com 37 anos) ousou vencer uma prova do Grand Slam – no seu caso, o Australian Open – fazendo dele, à data deste artigo, o atleta mais velho de sempre a conquistar um major. Resta apenas dizer que (também) este “recorde” irá acabar por parar às mãos de Roger Federer. Disso estou seguro. Mas será que tudo isto é bom para a modalidade, e para os seus praticantes?

    É inegável que Roger Federer é o ídolo de uma (ou talvez duas) gerações. É por sua causa que muitas crianças pedem aos pais para lhes comprarem a sua primeira raquete, e é também a ele que muitos clubes de ténis espalhados por todo o mundo têm de agradecer o facto de ainda poderem abrir portas e ter alunos. E isso não tem preço, o contributo do suíço para a modalidade bem como a sua postura (mais recente, para quem conheceu o jovem “índio” Federer) dentro e fora do court ficarão para sempre recordados. Lá vai o tempo em que alguns “velhos do Restelo” defendiam que Pete Sampras, John McEnroe, Bjorn Borg ou Rod Laver eram, eles sim, o melhor de todos os tempos. Hoje, Roger Federer é aos olhos de todos uma espécie de Maradona do ténis – praticamente um Deus, intocável, sejamos nós fãs de Rafa, Djokovic, ou qualquer outro.

    Rafa Nadal conseguiu intrometer-se na hegemonia de Federer aos 18 anos Fonte: Gannett
    Rafa Nadal conseguiu intrometer-se na hegemonia de Federer aos 18 anos
    Fonte: Gannett

    No entanto não vejo a situação atual do ténis como um mar de rosas. O domínio avassalador do suíço – que teve um “breve” intervalo (se é que lhe podemos chamar assim) por volta de 2013 durando sensivelmente dois anos e meio – tem também um lado negro, a meu ver.

    Esse lado mais escuro é o lado que revela a brutal distância de qualidade – avaliando largos períodos de tempo e não efémeros picos de forma – entre um grupo de 3 jogadores – Roger Federer, Rafael Nadal e, talvez, Novak Djokovic – para todos os restantes atletas. Não é, de todo, relevante o facto de Andy Murray ter alcançado o topo do ranking ATP, ou Wawrinka ter até conquistado o mesmo número de majors do que o escocês (3), quando comparados com o volume de títulos e, mais do que isso, com a consistência que estes três fora-de-série têm demonstrado ao longo das últimas 2 décadas.

    É bom recordar que, com a idade de Dominic Thiem (24 anos) o sérvio já levava na bagagem 4 majors (conquistados durante a “era” Rafa-Roger), o suíço 6 e o espanhol 9. Se nos adiantarmos para a idade atual de Grigor Dimitrov (26) então os números passam a ser 6, 12 e 11 respetivamente. O que quero dizer com estes números é que a anormal duração do domínio protagonizado por tão poucos tenistas faz com que uma geração tenha sido praticamente apagada dos livros da história: a geração que tem atualmente entre 24 e 29 anos, e que abarca nomes como Del Potro (apesar de o argentino ser um caso especial, devido ao seu historial de lesões), Nishikori, Cilic, Raonic, Goffin, Dimitrov, Thiem ou Sock. Estes nomes eram as promessas quando os “três gigantes” estavam em boa altura de dominar o circuito. O normal e, a meu ver, saudável para a modalidade seria que a passagem de testemunho fosse feita do suíço para Rafa e Djokovic que, por volta de 2016, deveriam já ter alguma dificuldade em bater-se de igual para igual com Nishikori, Dimitrov e companhia, na flor da idade. O mundo do ténis perdeu assim a oportunidade de ver grandes duelos entre o nipónico e o búlgaro, ou mesmo duelos de gigante entre Raonic e Delpo. Culpa dos “machos-alfa” da alcateia? Não na totalidade, mas em grande parte existe uma responsabilidade a eles atribuída. Não que os esteja a criticar. Longe disso. Acho que o que têm feito é do melhor que se pode fazer principalmente a nível psicológico e físico (pois a nível técnico estes grandes atletas já pouco ou nada podem evoluir). Vejo apenas com alguma pena que alguns dos nomes que referi acima neste artigo não pudessem ter oportunidade de deslumbrar os adeptos como fizeram tantas vezes Rafa e Roger, Roger e Novak, Novak e Rafa.

    Kyrgios parece ser a esperança de muitos que querem renovação na modalidade Fonte: ATP
    Kyrgios parece ser a esperança de muitos que querem renovação na modalidade
    Fonte: ATP

    Será que Rafa e Novak seguirão os passos do suíço e eliminarão a geração de Kyrgios, Shapovalov, Chung, Kokkinakis e companhia dos livros da História? Neste momento, considero pouco provável – nem um nem outro têm mostrado capacidade física para aguentar mais cinco ou seis ou sete anos em domínio absoluto. Mas, sinceramente, assumo que pensei o mesmo há meia dúzia de anos relativamente ao maestro suíço… O relógio do tempo não pára, e passa por todos. Resta-nos a nós, amantes do ténis, desfrutar do que ele tem para nos oferecer e, no máximo, sonhar com aquilo que o futuro nos trará.

    Foto de Capa: Zimbio

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    Henrique Carrilho
    Henrique Carrilhohttp://www.bolanarede.pt
    Estudante de Economia em Aarhus, Dinamarca e apaixonado pelo desporto de competição, é fervoroso adepto da Académica de Coimbra mas foi a jogar ténis que teve mais sucesso enquanto jogador.                                                                                                                                                 O Henrique escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.