A saudade de estar longe

    coraçãoencarnado

    Boa noite, caros leitores. Trago-vos este “Coração Encarnado” enviado directamente de terras espanholas. Sei que já leram muito sobre o dia que aí vem mas vão ter de ler mais. Não porque eu vos obrigue, mas porque esta é a vida de um benfiquista. Viver estas horas como um estágio. Não pensar um segundo que seja noutra coisa que não o clube que amamos. É o mínimo que podemos fazer. Assim sendo, aqui vai mais um texto – espero que vos alegre o Sábado, já que para mim este estágio não tem sido fácil…

    Hoje é dia de derby aqui por estes lados. Não, não pensem que este se compara ao “nosso”. Nem chega perto – as ruas não esvaziam, as casas não respiram mais devagar e a cidade não escuta. Nada. Nada se aproxima ao derby Lisboeta. Aí as coisas são diferentes, as roulotes perfumam o ambiente circundante do estádio e os cânticos aquecem as almas que por lá passeiam.

    Saudade. Essa palavra tão portuguesa descreve bem aquilo que sinto ao escrever este texto – é nestes dias que eu sinto falta do Estádio da Luz, das bifanas, das imperiais… Sim, a família também faz falta (esta frase fica bem, até porque sei que tenho elementos da família a ler os meus textos), mas o Skype ajuda a matar as saudades…e com o Benfica, como mato as saudades? Pois. Essa instituição que ocupa mais de oitenta porcento do meu coração. Não é justo.

    Apetece-me apanhar o próximo voo só por ti, Sport Lisboa e Benfica. Não seria a primeira vez. Mas depois percebo que a irracionalidade que tanto prezo e estimulo seria exagerada. Opto por ficar. Deprimo, e não descanso. Só penso em ti. Não é a mesma coisa sem te ter perto de mim, a semana fica diferente. O coração importuna o cérebro, quer-te mais perto. As noites tornam-se mais longas, o frio é usado como desculpa. Mas não. Não é o frio. Nem muito menos insónias. És tu, só tu. O frio é interior, as insónias são falta de te ver ao perto. Hoje não escrevo para mim, nem muito menos para vocês. Escrevo só para ti. És maior que a soma dos benfiquistas. Muito maior que qualquer outra coisa. Enches qualquer vazio, mesmo o interior. Não sabes como é difícil. O meu desejo de ano novo foi que viesses comigo para aqui. Mas não. Ficaste por Lisboa, perto dos teus. Depois percebi que era egoísta da minha parte. Aceitei a resposta do destino, que um sofra mas que outros milhões fiquem satisfeitos. Aceito porque esses milhões são como eu. Só por isso, se não trazia-te comigo.

    Hoje não é só Sábado e amanhã não é só Domingo. É véspera de noventa minutos, que quando multiplicados pela paixão dos adeptos representa muito mais que isso. O tempo tem disto. Um minuto dum Derby passa rápido demais, sessenta segundos são escassos. Não, não lhe chamem jogo. Nem muito menos partida. É muito mais que isso. Sport Lisboa e Benfica, só de pensar que amanhã entras em campo fico arrepiado. Só de pensar que amanhã é dia de derby, não durmo. Não faço nada. Adopto a posição de lontra, fico por casa. Medito. Penso no Gaitán, no Salvio. Depois no Jonas a marcar de cabeça. O Sporting também me aparece na cabeça, mas só por um segundo. O tempo outra vez a fazer das suas – aí um segundo é tempo demais. Não quero verde a povoar-me o cérebro. Meto a minha toalha de mesa encarnada. Bebo o leite do pequeno-almoço na caneca do Cardozo, o café na chávena do Benfica (literalmente). Ajeito o cachecol que ilumina a minha pequena sala madrilena. Asseguro-me que a camisola está lavada, passada. Toco-lhe com cuidado, respeito o sagrado. Os pêlos acordam, a águia alimenta-me o interior. Olho para o emblema, aquecendo-me o coração. Tudo isso me ajuda a estar longe de ti. Ajuda, não resolve nem faz esquecer. São pequenos gestos que me fazem sentir mais perto. Só isso. Mas a ilusão é coisa boa. Parecer às vezes já é um começo. Amanhã és tu que me levas ao colo. Retribuis as centenas de jogos que te dei a mão. Amanhã dás-me tu a mim. Alimentas-me um bocado do vazio que sinto. E eu agradeço. Triste, mas agradeço. Como sei que não há nada a fazer, contento-me com o que tenho. Um derby à distância. Gritos que não são ouvidos. Lágrimas que não são vistas. A mente faz destas coisas – quando sabemos que não há alternativa, aceitamos. Não é mais que isso, aceitar. Continuo a dormir mal e a sentir a falta do teu braço por cima do meu ombro. Não sou o mesmo, muito menos nestes dias. Mas aceito. Sobrevivo. Depois vou aí, recarrego a alma. Vivo o encarnado outra vez. Guardo cada cheiro, grito, abraço. Trago tudo no meu coração, num lugar especial que já criei só para ti. Fica tudo aí. Assim, para o próximo já sei onde ir procurar. Não vai mudar nada, mas permite que a sobrevivência continue. Não é o primeiro derby onde te vejo fora do nosso país. Mas é como se fosse. Não há hábito que se possa criar para combater estar longe de ti. Não há forma de viver este dia sem te ver por perto. Não há forma de gritar por ti que não seja ao teu lado. Não há forma de viver sem ser de mão dada contigo. Esta é a verdade. Como não o posso fazer, o cérebro diz-me que vivo. No fundo, não faço mais que esperar pela próxima vez que te vou sentir. Até lá, frio. Vazio. E saudade.

    Um abraço a todos vocês, suplico-vos que amanhã gritem por mim. Até lá, o tempo vai fazendo das suas…

    PS: Como repararam, joguei apenas com os sentimentos neste texto, optando por um conjunto de palavras vagas, com pouco sentido prático e com uma mensagem apenas relacionada com a “saudade de estar longe”. Espero que não me levem a mal, mas a verdade é que em véspera de derby pouco mais se pode pedir a um benfiquista que vive fora de Portugal e que, por isso, não poderá acompanhar de perto a sua paixão.

                                                                                                                                                                                                      Foto de Capa: André Pipa (Flickr)

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    Francisco Vinagre
    Francisco Vinagrehttp://www.bolanarede.pt
    O Francisco é um emigrante mas não é por isso que sente menos o seu Benfica. Contou-nos que só pára de gritar com as paredes do seu quarto madrileno quando as palavras chegam ao Estádio da Luz. Desde 1991 que o seu coração é encarnado, por fora e por dentro. Recusa-se a perder um jogo e sabe os números dos jogadores de trás para a frente! Só tem saudades do seu Eusébio e de vez em quando mete-se no avião para cheirar a relva da Luz.                                                                                                                                                 O Francisco não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.