Só existe um adepto de futebol que compreende melhor o Benfica, em todas as suas dimensões, que os próprios benfiquistas; falo, como já perceberam, do adepto sportinguista. Por isso, leio e ouço sempre com a devida atenção as opiniões daqueles que, nos espaços dedicados a um clube rival, se desdobram em explicações sobre a nossa realidade, mesmo conscientes de que – pobres de nós! – sejamos por regra incapazes de a descortinar. Aproveito, pois, este prelúdio para em meu nome deixar os mais sinceros agradecimentos a todos aqueles que, de forma amadora ou profissional, dedicam tanto do seu precioso tempo oferecendo, desinteressadamente, ao leitor benfiquista comum um pouco mais de luz.
Livres dos grilhões da paixão, estes comentadores explicam-nos objectivamente – se ao menos a maioria os ouvisse! – as causas e suas consequências. De resto, é preciso guardarmo-nos para reflectir: o espaço e o tempo são fundamentais e não é com festas no Marquês de Pombal até às tantas, com o sono perdido e o copo na mão, que se chega a conclusões sábias, tendo em vista o presente e o futuro. O caminho para o Nirvana faz-se no recato e no silêncio do lar, o que, por si só, explica o estado celestial alcançado recentemente pelo Sporting. A crise do Benfica, essa, estava há muito prevista: como a impedir perante a intranquilidade que dez títulos e duas finais europeias, em apenas seis anos, sempre acarretam? A ingenuidade colectiva, por vezes, envergonha-me.
No meu último texto, fiz o balanço, definindo o actual ponto de situação do Benfica e do seu universo físico e humano. Quem o quiser ler ou reler obterá, gratuitamente e sem esforço, um exemplo muito completo da capacidade que o vulgar benfiquista (neste caso, eu próprio) tem em produzir ignorância pueril. Elogiar o estádio e o centro de estágios do clube – considerando-os modelares a nível mundial –, as receitas provenientes da quotização, dos patrocínios, da venda dos direitos televisivos e de jogadores e, ainda mais gritante, uma tal de geração de (alegados) craques que o Seixal tem vindo a produzir – e que valeu, ainda esta semana, o provavelmente forjado Globe Soccer Awards, para melhor Academia do mundo – é, confesso por agora o saber, matéria irrisória.
Pego num relatório e contas e, como benfiquista que sou, não percebo patavina. Conto os títulos; e não percebo patavina. Olho o cimento; e não percebo patavina. Vejo a Europa a espiar o próximo a ser comprado; e não percebo patavina. Percorro as ruas, na hora de festejar; e não percebo patavina. Vou ao pavilhão (a um de cada vez), onde o domínio é aparentemente – e certamente por qualquer ilusão de óptica – tão avassalador; e não percebo patavina. Deparo-me com os números das receitas; e não percebo patavina. Não faz mal, penso com os meus botões. Não tarda, alguém às riscas me explicará que, afinal, o Benfica está bem pior do que se julga e que a palavra “patavina” é agradavelmente foleira. Graças a esses angelicais leões, a parte consciente deste louco mundo da bola, alcancei a verdade. Os números valem tanto como o amontoado de terra revirada disforme que se acumula para além do prazo num descampado para os lados de Telheiras.
Felizmente, existem neste país adeptos que não caem facilmente no lado obscuro da realidade, coagidos pelo populismo presidencial. Mas alguém imaginaria aficionados tão iluminados a sujeitarem-se a ouvir, dia após dia, o máximo dirigente do seu clube a despejar onde pode, em qualquer contexto ou situação, todo o seu complexo de inferioridade em relação a um clube rival, com recurso a repetitivas e cansativas e desonestas alegações? Jamais, digo eu. Essa é matéria que, infelizmente, nos é exclusiva.
Falamos de gente que luta honestamente pela verdade desportiva e se recusa a vencer a todo o custo, desejando, sempre em primeiro lugar, o progresso do futebol português. Que se indigna com sucessivos erros de arbitragem: os dos lançamentos laterais dentro do campo, dos penáltis em catadupa, dos “empurrões” nos descontos ou das expulsões perdoadas a um, dois ou três jogadores, em apenas noventa minutos. São adeptos que sabem para onde vão e o que têm; e, se não têm (as receitas, os títulos e a notoriedade a nível nacional e internacional), então, é porque simplesmente não querem. Resumindo: são adeptos com noção.
Foto de Capa: Sport Lisboa e Benfica