Considero-me um benfiquista um tanto ou quanto desagradável – não apenas para quem encara o benfiquismo como coisa demoníaca, mas mesmo para outros benfiquistas. O problema (apercebi-me recentemente) é que sou incapaz de relaxar, de sentir a tranquilidade e a confiança prometidas pelas sucessivas vitórias. Por esta altura do ano, sou, invariavelmente, invadido por maus sentimentos. Confesso, sem ponta de orgulho, que chego a sentir inveja dos adversários – da sua elevada auto-estima, notória a cada gesto e palavra, das suas certezas reais e irrisórias sobre plantéis e jogadores, o que lhes permite desfrutar convenientemente do Sol e dos banhos de mar, ou de reservar, por voz oficial, um espacinho de museu para a próxima taça de campeão.
Não me dou a esse luxo. Nasci e cresci nos oitenta e vivi com total clareza, já jovem adulto, a travessia dos séculos, verdadeiro período de trevas (uma década inteira e inesquecível), quando a esperança se usava como paliativo e retardador dum desfecho costumado e trágico. Nessa época, o futuro desenhava-se em tons de cinza, desfocado e ondulante; e era somente uma soma congénita de querer e ambição, sem correspondência com a realidade (outra coisa de que me apercebi, ou que soube admitir, bem recentemente). São experiências que marcam, que se fixaram eterna e dolorosamente na memória e no coração – tornando-se inusitadamente úteis. Pela parte que nos toca, recordam-nos da natureza contranatura dos jejuns prolongados; consciencializam-nos sobre o que fazer, como e quando o fazer, para os evitar e para ganhar o próximo jogo e o próximo troféu ou título.
Habituei-me, por isso, a ver o copo meio vazio. A reconhecer prenúncios de desgraça a cada tufo de relva fora do lugar – mesmo com o plantel mais equilibrado e consistente de que há memória. Recuso os excessos, os deslumbramentos e afins, preferindo identificar e apontar lacunas, aquilo que falta e pode ser melhorado. Simultaneamente, abdico de me agarrar a virtudes inquebrantáveis teorizadas nalguns jornais e por todas as mesas de café. Não se trata de uma escolha: a de ser pessimista e temeroso; um adepto aborrecido e preocupado. Porém, continuo convencido de que esta é a melhor forma de exercer o meu benfiquismo. A vitória na Supertaça, dificílima e saborosíssima, comprova que ainda existe um longo e duro caminho a percorrer até à plenitude futebolística.
O problema actual (talvez o mais evidente) prende-se com os elevados níveis de fertilidade daquele tapete verde, sempre fresquinho, sem sulcos ou remendos, enquadrado pelo mais belo estádio do mundo, que os nossos jogadores, e mais alguns afortunados, têm a honra de pisar. É como se, por cada semente lançada ao acaso, florescesse, sem dificuldade, até com naturalidade, um médio centro, o “oito”, box-to-box por excelência, com qualidade suficiente – e as características físicas, técnicas e tácticas – para nos carregar ao sucesso, contribuindo decisivamente para uma época em cheio.