O silêncio somente é de ouro ao sabermos calar-nos ou falar nos momentos certos. Caso contrário, o mesmo não passará de passividade cúmplice perante a ilegalidade e a imoralidade. Ou, pior ainda, de prova de culpa. Faz agora um mês que alegados membros dos Super Dragões, claque oficial do FC Porto, visitaram o centro de treino de árbitros, na Maia, onde, alegadamente, terão feito ameaças à vida de árbitros e de seus familiares. Esta situação, ao que parece, não terá sido tida como uma “de gravidade” pelos responsáveis do Estado e do futebol português. Para atestá-lo, basta verificarmos a ausência de consequências, seja de carácter desportivo ou cível, efectivadas em tempo útil face a tais actos. Aconteceu no dia 5 de Janeiro. No dia 13 do mesmo mês, Nuno Espírito Santo, treinador do FC Porto, voz crítica do poder instalado – essa figura abstrata nomeada repetidamente pelos responsáveis de FC Porto e Sporting como justificação dos respectivos contratempos (e da supremacia incontestável do Benfica) –, sentenciou ser “o momento de deixar de falar tanto nos árbitros”. Desconheço o que leva alguém a abdicar de defender aquilo que crê ser a verdade e a justiça. Mas, enfim, assim foi e assim tem sido.
Coincidentemente, numa latitude mais a Sul, teve início uma forte tempestade. Logo no dia seguinte das anunciadas tréguas, a 14 de Janeiro, o futebol português viveu um daqueles episódios que os mais ingénuos (como eu) julgavam fazer parte de um passado longínquo, ultrapassado, resistente apenas na memória e no Youtube. O Boavista empatou na Luz (3-3) com três golos ilegais – onde se destaca o fora-de-jogo de André Schembri, numa decisão para os anais da história da arbitragem; a 26 de Janeiro, o Moreirense venceu o Benfica (3-1) na meia-final da Taça da Liga, com dois golos ilegais – onde se destaca a falta sobre Eliseu no lance do segundo golo, a segunda construção humana vista do Espaço naquele dia; a 30 de Janeiro, o V. Setubal ganhou na recepção ao Benfica (1-0), ficando por assinalar um penálti evidente sobre André Carrillo, no último lance do jogo. Um ciclo tão negativo, quanto estranho e inesperado, que valeu, entre outras coisas, a Taça da Liga e a vantagem pontual que o Benfica tinha sobre o FC Porto, invicto neste período (quatro jogos; quatro vitórias), no campeonato.
Peço a leitor para não extrapolar das minhas palavras. Nomeio apenas factos, abdicando mesmo, desta vez, de quaisquer conclusões. Aliás, ao ler e ouvir repetidamente os especialistas já conheço de cor e salteado, como, de resto, conhecemos todos, quais as causas e consequências desta tormenta: tudo se deve, unânime e exclusivamente, às persistentes lesões, ao cansaço físico e anímico, e, sobretudo, à factura de 44 jogos consecutivos que pesam em demasia nas pernas e na cabeça de Pizzi. Nunca foi tão fácil chegar-se a um diagnóstico.
Assim se tem vindo a justificar, portanto, o silêncio, não o de Nuno Espírito Santo, neste caso, mas o dos responsáveis do Benfica, dirigentes, treinadores e outros, perante os acontecimentos acima descritos. Admitindo que o problema é, essencialmente, de ordem interna, resta-me, como benfiquista, respeitar esse silêncio exigindo, porém, que nesta fase decisiva da época sejam encontradas rapidamente as soluções. Admitindo que tudo se decide dentro das quatro linhas, resta-me, como benfiquista, respeitar esse silêncio sobre árbitros e sobre as recentes arbitragens. Admitindo que a justiça desportiva funciona, resta-me, como benfiquista, respeitar esse silêncio sobre a pena decretada a Rui Vitória, após a expulsão no Algarve. Admitindo, e como conclusão – e admitindo que esta repetição já se tornou irritante ao leitor –, que o talento, a capacidade de trabalho e de sacrifício se mantêm inalterados, resta-me, como benfiquista, respeitar esse silêncio, aguardando que, no final, vença quem tem o melhor treinador, o melhor plantel e a melhor equipa. E que esse silêncio foi premiado, como habitual exemplo de elevação, e não penalizado, como um simples e pueril erro estratégico.
PS: noutro plano, talvez mais sério, e admitindo que ainda vivemos num Estado de direito, resta-me, como benfiquista, mas muito mais como cidadão, esperar que os crimes e os criminosos sejam devidamente punidos. Julgo que, neste ponto, estamos todos de acordo.