Realismo benfiquista

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    Ao recordar Cândido, de Voltaire, o leitor comum recordar-se-á, no imediato, de Pangloss, doutor e mestre da figura central, que baseava os seus conhecimentos e ensinamentos num optimismo intangível; esse optimismo, inspirado em Leibniz e defendido por convicção profunda, sobrevive, ainda hoje, à própria obra, dado o carácter cómico, por vezes ridículo, como os factos do mundo, vividos ingenuamente pela maioria dos personagens, facilmente (e estrondosamente) o vão gradualmente desconstruindo ao longo da narrativa. Por outro lado, o leitor comum não se recordará, com a mesma facilidade, de Martin (ou Martinho, nalgumas edições portuguesas mais abusivas), o sempre fiel companheiro de viagem de Cândido, bem menos ingénuo, pessimista perante a fealdade das coisas, ou melhor, para concluir mais assertivamente, plenamente realista na abordagem daquilo que o destino reservou para si.

    Eu sou Martin; partilho o seu traço pessoal. Quando insistem (os fazedores de opinião, que lemos e ouvimos diariamente) que o Benfica está melhor do que há um ano, que está em primeiro, que tem mais nove pontos e uma vantagem confortável em relação aos rivais, recordo sempre, caro leitor, que isso do melhor dos mundos é coisa que nunca existiu (tal como Voltaire já explicara); que o Benfica, apenas para igualar o patamar de há um ano, para voltar a ser campeão, tem ainda muito por fazer, muito por sofrer, e qualquer abordagem menos realista do que esta, que vise algum género de excesso de optimismo – normalmente traduzido em arrogância –, resultará, certamente, numa rápida e natural reversão do actual momento, com influência decisiva no desfecho final – neste caso, a narrativa manteria, do meu ponto de vista, o carácter ridículo, embora perdesse todo o efeito cómico.

    No campeonato anterior, por esta altura, já o Benfica havia visitado o FC Porto e o europeu Arouca; e já tinha recebido o Sporting. Consegue recordar-se, caro leitor, destes três jogos? Consegue fazer um balanço dos três? Refresco-lhe, então, a memória: três jogos; três derrotas; zero pontos somados; zero golos marcados e cinco sofridos. Ou seja, os nove pontos que o Benfica tem a mais, comparativamente com igual período da época anterior, decorridas que estão apenas nove jornadas, foram conquistados diante de adversários que o Benfica, na época passada, também venceu – equipas que, embora mereçam todo o meu respeito, nos são, tal como os resultados consecutivos o comprovam, teoricamente mais acessíveis; daquelas que, para ser campeão, o Benfica costuma ultrapassar.

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    João Amaral Santos
    João Amaral Santoshttp://www.bolanarede.pt
    O João já nasceu apaixonado por desporto. Depois, veio a escrita – onde encontra o seu lugar feliz. Embora apaixonado por futebol, a natureza tosca dos seus pés cedo o convenceu a jogar ao teclado. Ex-jogador de andebol, é jornalista desde 2002 (de jornal e rádio) e adora (tentar) contar uma boa história envolvendo os verdadeiros protagonistas. Adora viajar, literatura e cinema. E anseia pelo regresso da Académica à 1.ª divisão..                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.