Tourito

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    – “Epa, que bruto!”

    Entre a gritaria dos pais, à qual já estava habituado, João* conseguia filtrar o que se dizia sobre os seus meninos, especialmente o “tourito”. O pequenino das tranças longas que não tinha problemas nenhuns em empurrar ou puxar o adversário desde que isso significasse que ganharia uma bola dividida, fosse ela na sua ou na àrea contrária, no treino ou num jogo contra o rival.

    Quando havia treino, sempre que o “tourito” chocava com outros meninos, eles olhavam para João, como que pedindo misericórdia, mas ele não acedia. Sabia que podia usar aquilo a favor da educação e da formação dos miúdos. Como como homens (resolveriam os problemas por si, não ) e como futebolistas – porque a agressividade faz parte do futebol.

    O “tourito” era um elemento introdutório à agressividade. Fazia crescer os seus colegas, mesmo que eles (e os pais deles) não gostassem, no início. Não estavam habituados àquela atitude. Os bairros onde iam aprendendo a viver com muito eram diferentes daquele onde o “tourito” ia sobrevivendo com pouco.

    João teve de tomar medidas, claro. Havia alguma dose de agressividade em excesso. E ele teve de a ir retirando. Ele e os formadores do “tourito” que acompanharam o seu desenvolvimento. Isto, claro, sem nunca o “castrarem”, sem nunca lhe tirarem o seu lado selvagem, que tantas coisas boas poderia oferecer num contexto competitivo pouco habituado a elas.

    Foi essa “moldagem” especial que, agora, faz do “tourito” um “Touro”. Um “Touro” que ainda precisa de crescer (muito) tacticamente e criar calo para entender todos os momentos dos 90 (ou 120) minutos de um jogo, de forma a gerir o seu cansaço, próprio de quem quer estar em todo o lado e fazer tudo ao mesmo tempo. Mas mesmo com muito para aprender, este “Touro” miúdo, de 18 anos, já está entre os grandes e nem se nota a diferença de idade, só a de estilo – brigão, encorpado, de quem quer ganhar tudo o que houver para ganhar, seja um campeonato, um jogo, ou um pontapé de baliza.

    O primeiro golo com a camisola principal Fonte: Facebook de Renato Sanches
    O primeiro golo com a camisola principal
    Fonte: Facebook de Renato Sanches

    Foi essa capacidade de se distinguir dos outros (mesmo dos mais velhos) que fez com que um dos maiores clubes do mundo apostasse nele e gastasse 35 milhões de euros (que podem chegar a 80) na sua contratação sem precisar de assistir a uma época inteira a alto nível (começou a temporada na equipa B).

    Porque quem assume a responsabilidade de um jogo da maneira que ele faz, e entrega toda a (imensa) capacidade física na a vontade e crença na vitória, não precisa de mais observações. É um jogador com o qual todos os adeptos e equipas do mundo querem contar. Porque penintenciar-se-á se não vencer uma partida e se, no final de uma competição não a conquistar.

    É um alimentador de sonhos. Não só o seu, não só os dos seus familiares, não só os de um clube. Mas os de uma nação. Uma nação pequena que ainda nada conquistou ao mais alto nível e que só com jogadores comprometidos com o sucesso o poderá fazer.

    Está quase.

    *João Tralhão, treinador de Renato Sanches quando este chegou ao Benfica

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