– “Epa, que bruto!”
Entre a gritaria dos pais, à qual já estava habituado, João* conseguia filtrar o que se dizia sobre os seus meninos, especialmente o “tourito”. O pequenino das tranças longas que não tinha problemas nenhuns em empurrar ou puxar o adversário desde que isso significasse que ganharia uma bola dividida, fosse ela na sua ou na àrea contrária, no treino ou num jogo contra o rival.
Quando havia treino, sempre que o “tourito” chocava com outros meninos, eles olhavam para João, como que pedindo misericórdia, mas ele não acedia. Sabia que podia usar aquilo a favor da educação e da formação dos miúdos. Como como homens (resolveriam os problemas por si, não ) e como futebolistas – porque a agressividade faz parte do futebol.
O “tourito” era um elemento introdutório à agressividade. Fazia crescer os seus colegas, mesmo que eles (e os pais deles) não gostassem, no início. Não estavam habituados àquela atitude. Os bairros onde iam aprendendo a viver com muito eram diferentes daquele onde o “tourito” ia sobrevivendo com pouco.
João teve de tomar medidas, claro. Havia alguma dose de agressividade em excesso. E ele teve de a ir retirando. Ele e os formadores do “tourito” que acompanharam o seu desenvolvimento. Isto, claro, sem nunca o “castrarem”, sem nunca lhe tirarem o seu lado selvagem, que tantas coisas boas poderia oferecer num contexto competitivo pouco habituado a elas.
Foi essa “moldagem” especial que, agora, faz do “tourito” um “Touro”. Um “Touro” que ainda precisa de crescer (muito) tacticamente e criar calo para entender todos os momentos dos 90 (ou 120) minutos de um jogo, de forma a gerir o seu cansaço, próprio de quem quer estar em todo o lado e fazer tudo ao mesmo tempo. Mas mesmo com muito para aprender, este “Touro” miúdo, de 18 anos, já está entre os grandes e nem se nota a diferença de idade, só a de estilo – brigão, encorpado, de quem quer ganhar tudo o que houver para ganhar, seja um campeonato, um jogo, ou um pontapé de baliza.
Foi essa capacidade de se distinguir dos outros (mesmo dos mais velhos) que fez com que um dos maiores clubes do mundo apostasse nele e gastasse 35 milhões de euros (que podem chegar a 80) na sua contratação sem precisar de assistir a uma época inteira a alto nível (começou a temporada na equipa B).
Porque quem assume a responsabilidade de um jogo da maneira que ele faz, e entrega toda a (imensa) capacidade física na a vontade e crença na vitória, não precisa de mais observações. É um jogador com o qual todos os adeptos e equipas do mundo querem contar. Porque penintenciar-se-á se não vencer uma partida e se, no final de uma competição não a conquistar.
É um alimentador de sonhos. Não só o seu, não só os dos seus familiares, não só os de um clube. Mas os de uma nação. Uma nação pequena que ainda nada conquistou ao mais alto nível e que só com jogadores comprometidos com o sucesso o poderá fazer.
Está quase.
*João Tralhão, treinador de Renato Sanches quando este chegou ao Benfica