A eterna carta de Peyroteo

    No passado dia dez de março de 2018 comemorou-se o centenário do nascimento de Fernando Peyroteo. Alguns profetas do escárnio e do maldizer apregoaram logo aos sete ventos que não importa falar das glórias do passado, que o que importa é o presente e o futuro. Dizem eles que “Peyroteo passou à história” e olham de soslaio quando celebramos o nascimento de um verdadeiro sportinguista. Mas quando falam das suas “lendas”, aí o assunto já é outro. Quando são os nossos rivais a pensar assim, tanto se me dá como se me deu. Mas que sejamos nós, sportinguistas, a tecer esse tipo de comentários, a coisa torna-se, para mim, mais difícil de digerir.

    Não vou destacar aqui a importância de Peyroteo para o futebol nacional, europeu ou mundial. Apenas me focarei na sua carta de despedida entregue ao Sporting Clube de Portugal (editada a quinze de março de 1949 no Jornal Sporting e re-editada na última edição deste jornal, a oito de março de 2018). Essa carta de Peyroteo, apesar de ser de finais dos anos quarenta, é de uma atualidade enorme: identifica os “inimigos” dentro do clube e critica severamente a “clubite” que os assola. A sua carta de despedida será também para sempre eterna no Universo Leonino. Deixemo-nos de palavras, das nossas, e passemos já às de Fernando Peyroteo:

    “É duro, estimados consócios, ter de ouvir comentários que estão longe, mesmo muito longe, da verdade, e que completamente desvirtuam a realidade. Há no Clube, “inimigos” dos jogadores de futebol. Proclamo, bem alto a existência de tais elementos, que podem alegar as suas razões. Eles próprios o declaram, sem parcimónia, numa ostentação, a todos os títulos, digna de lástima. (…) Gerou-se à volta da minha despedida – igual a tantos casos ocorridos no Sporting – uma lenda perniciosa, um mal-estar que só prejudica o Sporting. Bem sei que a minha retirada chocou alguns. Eu próprio sinto o coração a sangrar, e sei também quanto custa admitir a realidade de um facto, quando ele nos é penoso. Nisto falo com mais propriedade, porque sei sentir. (…) Mas um futebolista como eu e orgulhosamente o proclamo – deixou de pertencer ao seu clube para pertencer ao desporto nacional. Tinha de ser lato nas palavras que proferi – tinha de ser grato a todos. Portanto, os comentários, os insultos que alguns agora me dirigem, magoaram-me muito. Ferem o meu brio de homem. Maculam o meu clubismo” – Fernando Peyroteo, 1949.

    Peyroteo foi um dos “cinco violinos” que espalharam melodia nos relvados nacionais e internacionais nos anos 40
    Fonte: Sporting Clube de Portugal

    Não houve nem há ninguém que tivesse ou tenha representado a camisola verde e branca com um sentido de responsabilidade e amor ao clube maior do que aquele que teve Fernando Peyroteo. Nunca se “vendeu”, falemos claro, apesar de ter sido muito assediado para que representasse outros clubes, tão ou maiores do que o Sporting. Para todos eles, a resposta de Peyroteo foi sempre a mesma: “O meu clube é o Sporting Clube de Portugal”. Frase simples mas carregada de esforço, dedicação, devoção e glória. Em tempos como os de hoje no futebol, em que o dinheiro fala mais alto do que os valores pessoais e clubísticos dos atletas, a atitude de Peyroteo tem de ser recuperada por esses “desportistas” que vestem camisolas e menosprezam os símbolos que envergam.

    Por todas estas e outras razões serás sempre o eterno sócio número nove, e terás um lugar perpétuo no desporto nacional e mundial. Tal como permanecerá para sempre eterna a carta que escreveste a despedir-te dos relvados e dos “inimigos” que tão bem identificaste provenientes do interior do nosso Clube.

    Foto de Capa: Sporting Clube de Portugal

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    Simão Mata
    Simão Matahttp://www.bolanarede.pt
    O Simão é psicólogo de profissão mas isso para aqui não importa nada. O que interessa é que vibra com as vitórias do Sporting Clube de Portugal e sofre perante as derrotas do seu clube. É um Sportinguista do Norte, mais concretamente da Maia, terra que o viu nascer e na qual habita. Considera que os clubes desportivos não estão nos estádios nem nos pavilhões, mas no palpitar frenético do coração dos adeptos e sócios.                                                                                                                                                 O Simão escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.