Carta Aberta a: Bruno de Carvalho

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    Caro Bruno,

    Existe, desde 2013, uma proximidade considerável entre presidente e Sportinguistas, que não é normal verificar-se nem no futebol nem noutras áreas. Permite-me, por isso, que te trate por tu. No dia 26 de Março de 2011 fui acompanhar as eleições do nosso clube, juntamente com outros Sportinguistas, para casa de dois amigos que vivem perto de Alvalade. No dia 24 de Março de 2013 repeti o processo. Das duas vezes esperei pela confirmação dos resultados antes de ir para o estádio celebrar. Das duas vezes celebrei – embora, no primeiro caso, a euforia tenha depressa dado lugar à angústia. Escusado será dizer, portanto, que sempre achei que eras a pessoa indicada para presidir ao Sporting.

    Os nossos rivais também parecem reconhecer-te essas capacidades. Pelo menos, desde que venceste passei a levar muito menos palmadinhas nas costas de benfiquistas, e deixei de ouvir portistas a dizerem “sou do Porto, mas simpatizo com o Sporting”. Prefiro assim, sem quaisquer dúvidas. Pior do que ficar em 7º lugar, só a condescendência dos rivais. O corte com o passado possibilitado pela tua eleição devolveu o orgulho aos Sportinguistas e significou o renascer da esperança de voltarmos a ser um clube competitivo e ganhador. Ao longo destes quase dois anos, o trabalho da direcção tem sido notável. Mas, com o actual diferendo entre presidente e treinador, chegou também a altura de te fazer os primeiros reparos.

    A polémica com Marco Silva está envolta em mistério, mas já ninguém duvida que ela existe. Faço desde já um esclarecimento: o discurso que José Eduardo, conhecido Sportinguista, proferiu ontem no programa 4x4x3 da RTP Informação, deixa-me poucas dúvidas: o papel dele é transmitir a visão da direcção, e a tua em particular, acerca deste processo, sem que se quebre o blackout e sem que os dirigentes do Sporting tenham de “sujar as mãos”. Concluo isto porque não houve, até agora, nenhuma demarcação da vossa parte face às graves acusações ali proferidas. Ora, a triste figura que José Eduardo foi fazer em directo é apenas ultrapassada pelo vosso lamentável comportamento enquanto direcção nesta matéria. Certos assuntos não devem sair cá para fora. Se há alguma coisa para decidir, que se decida em privado. E, depois da polémica com os posts públicos no Facebook, já devias ter aprendido a lição.

    Há dias, um amigo meu disse-me que o Costinha, ex-jogador do Porto e ex-director do Sporting, afirmou recentemente na televisão que a diferença entre os dois clubes era que, no Porto, não havia “notáveis” a falar. Pouco importa aqui a competência que Costinha teve ou não enquanto trabalhou no Sporting; o que ele diz também não é novidade, mas ganha outra dimensão quando é proferido por alguém que viveu ambos os clubes por dentro. Este é um ponto fulcral e, a meu ver, um dos que impede o Sporting de se soltar dos seus fantasmas e de se afirmar como clube sólido.

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    Bruno de Carvalho e Marco Silva, um caso bicudo por resolver
    Fonte: sporting.pt

    Faço agora algumas perguntas acerca do caso Marco Silva. Parto sempre do princípio de que tu e José Eduardo têm a mesma visão das coisas – algo que nem sequer é especulativo, uma vez que o próprio José Eduardo o admitiu em directo.

    o que vos leva a concluir que Marco Silva tem como missão demitir-te? O que ganharia ele em comprometer a sua carreira promissora participando numa conspiração, e como o conseguiria fazer?

    – por que motivo tens permanecido em silêncio face às graves acusações de José Eduardo ao treinador? Será porque o José Eduardo é a “voz do dono”?

    – o que é a “cultura Sportinguista” a que José Eduardo alude, e o que interessa que o profissional Marco Silva a tenha a mais ou a menos? Um treinador só pode ser competente se for do Sporting? Por que não o regresso de Sá Pinto, nesse caso? Ou, com todo o respeito, talvez a contratação do Paulinho…?

    como é que José Eduardo estabelece a relação entre Marco Silva e as notícias plantadas na imprensa? Serão colocadas pelo próprio treinador, pelo seu empresário…? Que provas há disso? Não há hipótese de muitas delas não serem mais do que a normal especulação? Como é que ambos sabem que é Marco Silva quem está por detrás dessas manobras?

    – por que motivo cometeste o erro infantil de aceitar José Eduardo, homem de fora da estrutura, como “ponte” com o treinador? Será para criar uma ilusão de independência?

    – como é possível que o facto de Marco Silva ter dito numa conferência de imprensa que “o presidente sabe do que eu preciso” seja encarado como uma afronta à tua pessoa, ao ponto de se dizer que o treinador quer derrubar o líder do clube?

    – como é possível que esta situação tenha evoluído até ao ponto de se falar na hipótese, por remota que seja, de o presidente mais apoiado da História recente do Sporting ser afastado das suas funções?

    – e agora uma das questões que me parecem estar na origem de tudo: depois da previsível saída de Rojo, os dois centrais que transitaram da época anterior foram Maurício e Dier. Enquanto presidente, sabias da tal cláusula que permitia que o inglês saísse para o seu país? Se não sabias, é grave; se sabias, por que motivo permitiste a valorização do atleta sem primeiro procurar a renovação?

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    O presidente do Sporting não tem agido bem nesta matéria
    Fonte: sporting.pt

    É isto. E, mesmo admitindo que Marco Silva está a informar os jornais da sua insatisfação, é óbvio que o Sporting tem de ir ao mercado! Uma coisa é não poder ir buscar craques, isso qualquer Sportinguista percebe; outra é ter maus jogadores. E o conjunto de centrais do Sporting é o pior que o clube teve desde que vejo futebol. À excepção de Paulo Oliveira o nível é miserável e, aqui, a culpa parece-me ser mais da direcção do que do treinador. As saídas de Rojo e Dier não foram devidamente compensadas, não vale a pena estarmos com subterfúgios. O mal está feito, e seria benéfico para todos que se assumissem responsabilidades e se procurasse remediar a situação. Reconhecer os erros é sinal de inteligência e não de fraqueza.

    Quero acreditar que tanto o presidente como a restante direcção não estão desprovidos de bom senso, pelo que não excluo a hipótese de Marco Silva ter a sua quota-parte de responsabilidades no processo – nomeadamente ao nível das diferenças que possam existir no planeamento do plantel. Mas a verdade é que, desde Agosto até agora, também eu já dei por mim a pensar várias vezes que, se fosse treinador, estaria completamente revoltado com os centrais à minha disposição. O Sporting tem um plantel muito desequilibrado e a falta de solidez defensiva da equipa compromete aquilo que possa ser feito de bom no ataque. De que serve ter Nani se a retaguarda é fraca? O anúncio da candidatura incondicional ao título também não ajudou.

    O treinador também não esteve bem quando disse que prefere criticar cara a cara, embora até tenha razão. Mas, voltando a José Eduardo, o que ele fez na RTP não foi mais do que uma caça às bruxas sem apresentação de provas, pondo em causa o profissionalismo de Marco Silva e chegando a chamar-lhe “diabo”. Face a tudo isto, o que mais me preocupa é que tu e a direcção, sempre tão prontos a emitir comunicados, se remetam a um silêncio cúmplice. Têm duas opções, e manda a frontalidade que se escolha uma delas: ou se demite Marco Silva, coisa que não desejo, ou se censuram as palavras de José Eduardo e se mostra solidariedade para com o treinador. Ficar calado é subscrever o discurso do responsável pelo catering de Alvalade (eu sei, ler isto parece ridículo, mas foi ao que se chegou neste clube… e tu tens responsabilidades).

    Embora as minhas convicções pessoais me impeçam de apoiar incondicionalmente qualquer pessoa ligada ao futebol, continuo a estar do teu lado e a considerar que a tua vitória nas eleições foi das melhores coisas que aconteceram ao meu clube. Mas também sempre achei que o risco de se ter uma personalidade forte é podermos convencer-nos de que somos os únicos com razão. Não vou utilizar aqui a ladainha – verdadeira, por sinal – de que o poder corrompe, mas lembro que o clube é maior do que qualquer figura que o represente. Neste caso concreto, não me parece que os adeptos estejam contra o treinador. Como sem adeptos não havia desporto, penso que a opinião da massa associativa do Sporting deve ser tida em conta. E, perdoem-me a arrogância, cito o texto com que fechei 2014, por me parecer oportuno: o Sporting não pode estar sempre nesta dança das cadeiras, sob pena de se tornar no eterno clube do “para o ano é que é”.

    Gostava sinceramente que respondesses a estas perguntas. Contudo, sabendo-te tão interventivo nas redes sociais (e blogs) não desejaria, na improbabilidade de leres estas palavras, que perdesses tempo a responder-me a mim directamente. Prefiro, isso sim, que o faças a todos os Sportinguistas, de forma clara e inequívoca. Mas que o faças apenas se a decisão de demitir Marco Silva avançar, caso contrário não queremos mais lama cá fora. Numa coisa, goste-se ou não – e podendo tu encontrar algum oportunismo nestas palavras – há que dar razão ao treinador: Está na hora de respeitarmos os adeptos do Sporting, que todos os dias lêem coisas nos jornais que não são agradáveis”.

    Pés assentes na terra, humildade e continuação de bom trabalho, é o que te desejo.

    Um óptimo ano e Saudações Leoninas,

    João Vasconcelos e Sousa

     

    Fotos: site do Sporting Clube de Portugal

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